O Globo
Temos motivos em dobro para temer
turbulências climáticas assustadoras. Vivemos o Antropoceno, cria nossa
Não estamos na Roma Antiga, nem no longínquo ano de 44 a.C., em que Júlio César foi esfaqueado 23 vezes. Ainda assim, o verso shakespeariano “cuidado com os idos de março” continua a ter mil e uma utilidades. Naquele 15 de março de outrora, contava-se que até o Sol desaparecera — não apenas brevemente, como num eclipse, mas por um ano inteiro. Exagero de uma superstição da era pré-científica? Conexões imaginárias da mente humana da época? Até que não. Em 1983, dois cientistas do Instituto Goddard de Estudos Espaciais publicaram um trabalho de História interdisciplinar que explica boa parte do que os romanos vivenciaram. Hoje, apesar de uma compreensão mais aguçada dos fenômenos que nos cercam, temos motivos em dobro para temer turbulências climáticas assustadoras. Vivemos o Antropoceno, cria nossa. E não há como fugir dele. Na semana passada, foi a vez de as regiões Sul e Sudeste serem mantidas em alerta máximo diante da previsão de tempestades bíblicas.
Quando, em 2019, o jornalista e escritor
americano David Wallace-Wells publicou o fulminante best-seller “A Terra
inabitável: uma história do futuro”, sobre o caos climático em que estamos
metidos, soou como o vidente de Shakespeare anunciando os idos de março. Foi um
soco de alerta fundamentado em conhecimento acumulado por mais de 50 físicos e
astrofísicos, biólogos e arqueólogos, poetas e químicos, climatologistas. De lá
para cá, melhoramos na previsão dos desastres, mas pouco fizemos para mudar de
rota.
A economista inglesa Barbara Ward, uma grande
dama e intelectual do século XX, já havia apontado nossos maus modos em seus
escritos sobre desenvolvimento e sustentabilidade:
— Esquecemos como ser bons hóspedes na Terra,
como pisar sobre o chão com a delicadeza comum às demais criaturas — constatou.
Fazia eco a outra notável precursora do
pensar ambiental, a bióloga marinha americana Rachel Carson, autora do seminal
“Primavera silenciosa”, de 1962.
— O chamado controle da natureza — escreveu
Carson — é uma frase concebida na arrogância humana, nascida na era neandertal
da biologia e da filosofia, quando se supunha que a natureza existe na paz ou
na guerra, que ainda não aprendemos a dar voz à natureza.
Nos acomodamos tempo demais a um mundo feito
por e para máquinas, dependente do consumo, deixando o que temos de melhor no
meio do caminho. Wallace-Wells já nem fala mais em “novo normal” quando trata
do que está por vir. Acredita que simplesmente deixará de existir qualquer
condição “normal”, por já termos esgotado as condições ambientais favoráveis à
evolução da espécie humana.
— O sistema climático em que crescemos, que
proporcionou tudo o que entendemos como cultura e civilização, está morto —
decreta ele.
O ecossistema observado e estudado nas
últimas décadas deixou de ser o trailer de um futuro sombrio. Já vivemos no
nosso passado recente. Mesmo que, por milagre, a espécie humana conseguisse
parar de emitir gases poluentes, continuaríamos a respirar veneno por muitas
gerações.
Há um tempo para lutar contra a natureza,
outro tempo para lhe obedecer — o segredo está em fazer a escolha certa,
avisava em 1968 Arthur C. Clarke (“2001: uma odisseia no espaço”). Estamos
bastante distantes de qualquer equilíbrio da experiência de vida num clima
transformado pela atividade humana. Nosso planetinha espraiado por seis
continentes, quatro oceanos e 24 fusos horários pede socorro, e o único poder
capaz de salvar a espécie humana é, justamente, o humano. O meio de fazê-lo é
aprendendo que somos parte da natureza — nem superiores nem separados dela.
Estamos nos idos de março. Melhor escutar e
agir, antes que a última voz remanescente na Terra seja a primeira que existiu
no mundo: o vento.
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Em tempo: em janeiro deste ano, o que restou do
DNA de Arthur C. Clarke queimou na atmosfera terrestre depois que uma sonda
lunar privada não conseguiu pousar na Lua e se espatifou. A sonda continha
genes de dezenas de figuras históricas como George Washington, John F. Kennedy
e Dwight D. Eisenhower.
Mentira,o Antropoceno já foi desmentido. MAM
ResponderExcluirEu nem ia comentar sobre o texto da colunista, mas o comentário estúpido e MENTIROSO acima me fez mudar de ideia.
ResponderExcluirO ANTROPOCENO é mais real e mais aceito que nunca! É uma proposta de reconhecer um novo período na história do Planeta, baseado na cada vez maior e mais gigantesca influência humana sobre o clima e a ocupação do espaço na superfície da Terra.
■O Antropoceno é uma realidade que cada vez mais se reforça.
ResponderExcluir=》Apenas não se pode relacionar de forma imediata o Antropoceno com as mudanças climáticas, até porque há variáveis cosmonáuticas e variáveis geológicas com mais chance, a longo prazo, de se confirmarem como responsáveis pelas mudanças que os fatores antrópicos.
=》Mas seja o que for o responsável, ou o mais responsável, pelas mudanças no clima, o que está em nosso alcance fazer para remediar são os motivos que nós mesmos provocamos com nossos erros e, independemente de serem esses erros os grandes causadores das mudanças, não estamos em condições de ficar parados esperando que se confirmem e temos que agir.
*variáveis cosmológicas.
ResponderExcluirA colunista sabe das coisas.
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