Folha de S. Paulo
Reação de Lula é sinal de que petista não
está disposto a suportar desgaste se venezuelano não entregar disputa que ao
menos pareça justa
Por duas décadas, Lula buscou
conforto no fato de que, de tempos em tempos, a turma que comanda a Venezuela chama
os cidadãos às urnas, conta os votos e declara vitória.
Em 2005, enquanto Hugo Chávez instalava uma máquina que ampliava seu poder e limitava a competição eleitoral, Lula rejeitou as críticas ao bolivariano e afirmou que a Venezuela tinha democracia "em excesso". Dois anos mais tarde, o petista repetiu o argumento: "O que eu sei é que a Venezuela já teve três referendos, três eleições não sei para quê e já teve quatro plebiscitos".
O atual cerco de Nicolás
Maduro à oposição tornou a organização periódica de votações uma
garantia ainda mais frágil. Mesmo assim, Lula
insistiu na premissa de que a Venezuela "tem mais eleições do que
o Brasil" e recorreu à justificativa traiçoeira de que as coisas no país
vizinho são como são porque "o conceito de democracia é relativo".
Não foi um acidente o envolvimento do governo
brasileiro na negociação dos acordos
entre chavismo e oposição assinados em Barbados. Lula tem interesse de
sobra na manutenção do apoio a Maduro, mas a integridade desse alinhamento
passou a ter, como última linha de defesa, a realização de uma eleição que
fosse limpa e justa —ou pelo menos conservasse essa aparência.
O regime chavista desfigurou aquela imagem ao
restringir a participação da oposição, sob a alegação de que seus integrantes
estariam envolvidos
numa conspiração contra Maduro. A deformação ficou maior quando a
principal candidata do grupo não conseguiu se inscrever para o pleito, num
episódio observado em silêncio pelo governo venezuelano.
Numa virada em relação a comunicações mais
dóceis, Lula
disse que o caso era "grave". Foi um sinal de que o chavista
expôs seus credores internacionais a um vexame público e um recado do
brasileiro de que não está disposto a suportar o desgaste do respaldo a Maduro
se não houver um esforço mínimo para evitar que a votação fique escancarada
como uma eleição de faz de conta.
Pois é.
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