segunda-feira, 18 de março de 2024

Camila Rocha* - Disputa pelo legado de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Michelle Bolsonaro, e seu discurso antissecular, e Tarcísio de Freitas, e seu pragmatismo reacionário, são opções

"Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí".

A frase poderia ser de Jair Bolsonaro, mas foi proferida pelo governador de São Paulo. No dia 8 de março, em Genebra, Tarcísio de Freitas foi denunciado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pela Comissão Arns e pela ONG Conectas em virtude da escalada de violências cometidas durante a Operação Verão.

Durante a reunião do Conselho, Camila Asano, diretora-executiva da Conectas, relatou acusações de execuções sumáriastortura e prisões forjadas, além de apontar a ausência deliberada do uso de câmeras corporais entre os policiais envolvidos.

A operação já é tida como uma das mais letais da história do estado de São Paulo.

De acordo com dados do Ministério Público de São Paulo, agentes mataram 57 pessoas em janeiro e fevereiro na região, número que já ultrapassa mais de cinco vezes o do ano anterior.

Entre as vítimas estão um jovem cego de 24 anos, que foi assassinado dentro de casa enquanto conversava com um amigo e um homem que usava muletas. De acordo com a polícia, ambos teriam reagido à abordagem policial.

A despeito disso, o secretário da Segurança Pública, Capitão Derrite, foi poupado pelo governador.

Exonerado temporariamente do cargo no último dia 12, Derrite voltou ao Congresso para receber a relatoria de um projeto de lei que propõe o fim da saída temporária de presos em feriados e datas comemorativas, uma das principais pautas da bancada bolsonarista.

No dia seguinte à exoneração de Derrite, Tarcísio de Freitas, que está abrigado no Republicanos, foi extremamente bem recebido em uma reunião com deputados do PL que, em coro, entoaram "filia, filia".

Passados dois dias da reunião, a Revista Oeste, que abriga nomes como Alexandre Garcia, Guilherme Fiuza e Rodrigo Constantino, publicou em sua capa uma foto do governador sorrindo acompanhado da frase: São Paulo contra o crime.

Tarcísio também já explicitou seu alinhamento com outra pauta cara à extrema direita: a defesa da liberdade irrestrita de expressão.

Em discurso proferido no ato bolsonarista realizado no dia 25 de fevereiro, na avenida Paulista, Tarcísio afirmou que: "O desafio da representatividade só vai ser vencido com liberdade. Liberdade de expressão, de pensamento, de manifestação. Sem nenhum tipo de censura."

Por fim, na frente econômica, o governador prometeu um "leilão badalado" no mês de abril para realizar a venda da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), com o objetivo de viabilizar a privatização da Sabesp, a qual, em suas palavras, será um grande legado para São Paulo.

À medida que o cerco contra Jair Bolsonaro se fecha progressivamente, Tarcísio se firma como um de seus principais herdeiros políticos. A truculência na Baixada Santista, a sanha privatista e a defesa de golpistas e extremistas o qualificam para tanto.

Agora resta saber quem levará o legado bolsonarista adiante nas eleições de 2026, Michelle Bolsonaro e seu discurso antissecular ou Tarcísio de Freitas e seu pragmatismo reacionário.

*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

 

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