O Globo
Talvez você tenha lido alguma notícia sobre a
crise migratória na fronteira dos Estados Unidos com o México. Mas eu duvido
que o leitor consiga adivinhar a nacionalidade que teve mais crescimento no
número de detenções migratórias: os chineses.
Ao fim de 2023, o número de imigrantes chineses detidos na fronteira era quase 600% maior do que no mesmo período do ano anterior. Mas como há um crescimento percentual tão forte no número de pessoas que estão saindo de um país que está a 11 mil quilômetros para imigrar por terra? Eu, que moro nesta fronteira, também me fiz essa pergunta.
Quase todos eles, ao cruzar, pedem asilo
político — e vão ter seu caso julgado pelas autoridades migratórias. Mas os
chineses, vindo de uma ditadura, têm uma probabilidade muito maior de sucesso
em seus casos. Em 2021, 17% dos pedidos de asilo de mexicanos foram aceitos.
Entre os salvadorenhos, o percentual sobe para 28%. Entre chineses a taxa foi
de 81%.
A probabilidade de sucesso torna a arriscada
viagem um pouco mais atrativa. Para muitos deles, ela começa no Equador (país
que não exige visto para chineses) e segue por terra cruzando Colômbia, América
Central, até a fronteira Norte do México.
Existem fatores políticos e tecnológicos que podem ajudar a explicar esse incremento no fluxo.
Há um aumento na repressão política.
Políticas recentes incluem interferências sem precedentes em universidades,
prisão de advogados de defesa e repressão a protestos em províncias como Hong
Kong. Ao mesmo tempo, à medida que as tensões entre EUA e China têm aumentado
nos últimos anos, o acesso a vistos de turismo para chineses tem se tornado
mais limitado.
Na esfera tecnológica, a conhecida censura do
governo hoje tem implementação mais difícil. Com o uso de softwares de
redirecionamento de rede, muitos chineses têm acesso à mídia social ocidental.
Entre aqueles que chegaram nos Estados Unidos, muitos relataram ter aprendido
sobre o trajeto da viagem no Instagram e no TikTok (ou seus equivalentes
chineses).
Igualmente importante, há muitos fatores
econômicos que ajudam a explicar esse tipo de fluxo migratório. Durante
décadas, nos acostumamos a ver a economia chinesa crescendo a 10%. Mas a partir
da década passada, a trajetória começou a arrefecer, com taxas rondando os 6%.
Recentemente, o crescimento chegou a ficar abaixo dos 3% e o FMI prevê que nos
próximos anos deve ficar entre 3-4%.
Como consequência, as projeções futuras de
quando a economia chinesa ultrapassará a americana têm sido revisadas para o
futuro. Por exemplo, em 2021 o FMI previa que a economia chinesa seria, no ano
passado, 76% do tamanho da economia americana. Na verdade, com o crescimento
mais baixo, ela chegou em 2023 com 65% da economia americana.
A previsão mais recente é que nem mesmo em
2028 vá se alcançar os 72% citados anteriormente. Alguns institutos privados já
preveem que a economia chinesa nunca vá alcançar o tamanho da economia
americana!
Em parte, a explicação é demográfica. A
população americana continua expandindo, por causa do fluxo constante de
imigrantes. Já a população chinesa tem envelhecido e estagnado em tamanho,
muito em função da política de filho único ali existente.
Mas também há uma desaceleração no
crescimento da produtividade do trabalho na China.
Isso não deveria ser uma surpresa tão grande.
Um dos mais influentes economistas do século passado, Robert Solow, ganhou o
Nobel principalmente por uma teoria do crescimento que previa que países mais
pobres (com menos capital acumulado) tenderiam a crescer mais rápido do que
aqueles com muito capital.
O Brasil também passou por seu milagre do
crescimento. Hoje a China tem uma renda per capita próxima ao brasileiro. A
dúvida que fica é se, como nós, eles também vão cair na “armadilha da renda
média” — quando um país sai da pobreza e em seguida para de crescer. Num país
em que tem taxas de poupança muito altas, infraestrutura bem melhor que a nossa
e excesso de estoque de imóveis, é difícil pensar em avenidas tradicionais para
estimular o crescimento.
E isso se reflete do outro lado do mundo. Muitos dos jovens chineses que cruzaram a fronteira falaram a repórteres que saíram da China porque hoje está muito mais difícil encontrar emprego. Para eles, chegou ao fim o milagre chinês. A pergunta mais importante é: e para os chineses, muito mais numerosos, que ficaram em casa? O que o futuro reserva?
Eis a questão.
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