O Globo
A esperança é que o Senado pare e reflita
sobre os vários impactos da proibição do aplicativo nos Estados Unidos
Na semana passada, a Câmara dos Estados Unidos aprovou
com folgada maioria um projeto de lei que obriga a empresa chinesa ByteDance a
vender o TikTok ou a sair do mercado americano. O projeto ainda precisa da
aprovação do Senado, mas a votação muito expressiva na Câmara, com raro apoio
bipartidário, mostrou que a proposta tem boas chances de prosperar. Biden
sinalizou que, uma vez aprovado o projeto, não o vetará. Se implementada, a
medida consolidará uma perigosa dinâmica de balcanização do mercado de
tecnologia, seguindo divisões geopolíticas.
O banimento do TikTok foi proposto por um deputado republicano sob a alegação de que a difusão de um aplicativo controlado por uma nação adversária dos Estados Unidos trazia riscos à segurança nacional. No debate, dois tipos de argumento se destacaram. O primeiro é que a ByteDance, por ser chinesa, responderia em última instância ao Partido Comunista da China e poderia, a qualquer momento, transferir dados de cidadãos americanos ao governo chinês. Além disso, alegou-se que o TikTok poderia alterar o algoritmo de apresentação dos vídeos na plataforma, manipulando o debate político nos Estados Unidos.
A preocupação com a proteção dos dados dos
americanos é pura hipocrisia. Embora políticos enfatizem o risco de dados de
americanos serem enviados a um governo estrangeiro, isso até agora não passou
de uma alegação sem evidências. Mesmo assim, para atender a essa preocupação, a
ByteDance propôs, para tratar localmente os dados de americanos, a transferência de
servidores de dados ao Texas, sob a operação de uma empresa americana e
supervisão das autoridades locais. Nada disso acalmou os deputados.
Embora a alegação de que o TikTok mande dados
de americanos ao governo chinês seja puramente especulativa, o mesmo não pode
ser dito do envio de dados de estrangeiros pelas empresas de tecnologia
americanas. Em 2013, uma das mais importantes denúncias de Edward Snowden foi
que os Estados Unidos monitoravam
alvos estrangeiros por meio do programa de espionagem Prism, usando
empresas americanas de tecnologia. Entre os alvos do programa estavam a
ex-presidente brasileira Dilma
Rousseff e a ex-primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel. Nem
Brasil nem Alemanha eram consideradas “nações adversárias” dos Estados Unidos.
O segundo tipo de alegação dos deputados é
que o TikTok poderia manipular o algoritmo que determina que vídeos serão
apresentados aos usuários. A preocupação é que a empresa chinesa poderia
favorecer vídeos defendendo determinada corrente política ou determinada
posição, manipulando a opinião pública americana.
Um estudo de uma ONG americana comparou hashtags no
Instagram e no TikTok. Apontou que, embora haja pequenas variações entre as
duas plataformas para temas de cultura pop e outros assuntos pouco sensíveis,
as hashtags contrárias aos interesses geopolíticos da China (como Hong Kong, Tibete
e uigures) são muito menos visíveis no TikTok. O estudo, porém, foi criticado
por não levar em conta há quanto tempo a plataforma existe e o perfil etário
dos usuários. Como o TikTok foi criado em 2017 e o Instagram em 2010, assuntos
mais antigos, como as manifestações no Tibete em 2008, tiveram naturalmente
mais impacto no Instagram. Além disso, como os usuários do TikTok são mais
jovens que os do Instagram, também tendem a ter menos interesse por assuntos
longínquos da política internacional. Apesar dessas críticas, o estudo foi bem
recebido entre os legisladores e ajudou a formar a convicção sobre o perigo da
plataforma chinesa.
O TikTok mobilizou seus usuários para
pressionar os deputados a votar contra o projeto, mas muitos parlamentares
apenas viram na mobilização evidência adicional do poder de intervir na
política americana. Outra vez, a ação do TikTok não é em nada diferente do que
as empresas americanas fazem quando atuam no exterior. No Brasil, o lobby das
big techs no Congresso conseguiu conter a última tentativa de regulação das
plataformas. A pressão foi tão forte que o presidente da Câmara, Arthur Lira, cogitou
entrar com ação contra as empresas.
A esperança é que o Senado pare e reflita
sobre os vários impactos da proibição do TikTok nos Estados Unidos. O país
reiteradamente critica China, Rússia e outros
por criar barreiras à atuação de suas empresas. A resposta, na mesma moeda,
apenas balcanizará o mercado de serviços digitais de acordo com conveniências
geopolíticas.
Excelente! Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho! Relembra inclusive a espionagem estadunidense sobre o governo brasileiro e alemão, quase apoiada por certos colunistas brasileiros servis aos interesses dos EUA, que seguidamente tentaram normalizar ou menosprezar tal aberração criminosa.
ResponderExcluir■AUTOR COERENTE
ResponderExcluir=》Pablo Ortellado não faz rodeios e se assume de vez em quando em artigos que escreve:: "sou de esquerda".
●A concepção sobre "ser de esquerda" que subsiste, na maioria das vezes, é ser antiliberal, antiamericano e anticapitalista. Não me lembro de Pablo Ortelado ter chegado a assumir isso tudo de forma extremamente radical, mas seu antiamericanismo é marcado com força.
A leitura de artigos de Pablo Ortellado valem quando de antemão se sabe como ele vai tratar a informação e como ele vai se posicionar.
■Eu admiro quem é coerente:: posso concordar com pouca cousa ou discordar 100% de alguém, mas prefiro os que são coerentes.