terça-feira, 26 de março de 2024

Christopher Garman - Fatores locais definem eleição municipal

Valor Econômico

Assim como resultado pífio do PT nas eleições de 2020 não serviu como indicador da vitória de Lula dois anos depois, pleito deste ano não servirá para 2026

A cada ciclo eleitoral, um exército de analistas e algumas lideranças políticas tentam auferir o significado nacional dos resultados das eleições municipais. O mesmo deve ocorrer este ano, quando a disputa na capital paulista será vista como a mais importante no embate entre petismo e bolsonarismo.

De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva articulou ativamente a volta da ex-prefeita Marta Suplicy ao PT para pleitear, ao lado de Guilherme Boulos (Psol), a prefeitura paulistana, que o Palácio do Planalto vê como estratégica. De outro, o ex-presidente Jair Bolsonaro colocou seu peso político a serviço do prefeito Ricardo Nunes (MDB), após descartar apoio a candidaturas avulsas.

Embora as pesquisas mostrem um empate técnico entre os dois pré-candidatos, há motivos sólidos para acreditar na vitória de Nunes, e não será surpreendente se ele se eleger com certa folga. Essa perspectiva é uma má notícia para o Planalto - mas tem quase nenhuma relação com a disputa nacional. De modo geral, eleições municipais são predominantemente influenciadas por fatores locais e péssimos indicadores para resultados nacionais.

Duas razões simples explicam o favoritismo do atual prefeito - nenhuma delas ligada a questões nacionais ou à atual polarização política nacional: o eleitorado da capital não parece desejar mudança, e ele pode se beneficiar do bem-fornido caixa da Prefeitura para fazer investimentos e vender seu peixe durante a campanha.

A aprovação popular do governo é o melhor ponto de partida para qualquer diagnóstico sobre as chances dos candidatos. Dados coletados pela Ipsos Public Affairs em mais de 400 eleições nos últimos 30 anos mostram que governantes cuja aprovação supera os 40% (mensurada como aprova/desaprova, não na escala ótimo/bom/regular péssimo) geralmente se reelegem. Mandatários com aprovação em 40% seis meses antes do pleito saem vitoriosos 58% das vezes. Essa proporção sobe para 78% para aqueles com 45% de aprovação, e chega a 90% quando a aprovação do governante é de 50%. Mas, quando a aprovação popular é de 35%, as chances de reeleição caem para 36%.

Por essa ótica, Nunes parece estar bem posicionado. A Paraná Pesquisas mostrou que, em março, 58% dos eleitores aprovavam o governo de Nunes, enquanto 38% desaprovavam. Em dezembro, a taxa positiva era de 55%. Os dados da AtlasIntel, por sua vez, davam 34% de aprovação ao prefeito em dezembro, e 45% de reprovação. A média das duas sugere uma aprovação de 46%, dando ao prefeito mais de 70% de chances de reeleição.

A discrepância entre os dados provavelmente resulta do pouco conhecimento que a população tem de Nunes, que assumiu o cargo em maio de 2021, após a morte de Bruno Covas. Quando institutos mensuram sua aprovação em uma escala de cinco pontos (ótimo/bom/regular/ruim/péssimo), o prefeito geralmente goza de baixas taxa de “ótimo/bom”, e de “ruim/péssimo”. A última pesquisa Datafolha, por exemplo, apontou que ele é considerado “ótimo/bom” por 29% dos eleitores, e “ruim/péssimo” por 24%. A avaliação “regular” ficou em 43%.

A baixa taxa de “ruim/péssimo” é um bom sinal para o prefeito, pois sugere que não há clima de insatisfação. Esse diagnóstico é reforçado por uma pesquisa feito pelo Ipec que mostrou que, em dezembro, 30% dos moradores da capital consideravam que a qualidade de vida melhorou nos últimos anos, enquanto 22% acreditavam que piorou e 43% viam a situação como estável - sugerindo que não há grande insatisfação ou desejo de mudança entre os que respondem “regular” na pesquisa da Datafolha.

Isso sugere que a campanha será importante para o prefeito, e a boa situação fiscal da prefeitura paulistana também o favorece. O governo local começou 2023 com um orçamento de R$ 34 bilhões - mais que o triplo dos R$ 11 bilhões de quatro anos antes. Um volume de recursos que se traduziu em investimentos de quase R$ 10 bilhões no ano que antecede a disputa eleitoral.

Essa disponibilidade de recursos resulta de algumas iniciativas da prefeitura, incluindo o acordo com o governo federal envolvendo a cessão do Campo de Marte, que extinguiu a dívida de quase R$ 24 bilhões do município com a União, e a reforma previdenciária. Mas o fenômeno tem raízes mais amplas. Um estudo feito pelo Centro de Estudos da Metrópole da USP com 600 cidades com mais de 50 mil habitantes mostra que, entre 2018 e 2022, a receita dessas prefeituras cresceu 24% acima da inflação. O congelamento de salários durante a pandemia, no entanto, fez com que as despesas com pessoal e encargos sociais, por sua vez, subisse menos da metade disso. Em consequência, as prefeituras estão com dinheiro em caixa para investir.

Para um prefeito pouco conhecido, com eleitores pouco insatisfeitos, o quadro é bastante favorável. Nunes terá um amplo leque de feitos e obras de infraestrutura para mostrar durante a campanha, que inclui investimentos em educação (56 Centros Educacionais Unificados reformados e a construção de 45 novas escolas), além de benefícios como a gratuidade nos ônibus aos domingos. Isso sugere que sua aprovação tende a crescer mais durante a campanha.

Esse favoritismo de Nunes - se confirmado - terá pouco ou nada a ver com o ambiente nacional de polarização. Estará muito mais relacionado a um ambiente favorável à reeleição de governantes. Em 2020, o índice de reeleição de prefeituras se encontrou em 65% - o maior percentual desde 2008. O pleito daquele ano foi marcado por transferências feitas a prefeituras durante a pandemia, que favoreceram os mandatários que buscavam renovar seus mandatos. No ciclo atual, as prefeituras terão ainda mais dinheiro em caixa, o que deve fazer esse índice subir mais. De forma que, assim como o resultado pífio obtido pelo PT nas eleições de 2020 não serviu como um indicador da vitória de Lula dois anos depois, o pleito deste ano não servirá como indicador para 2026.

 

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