Valor Econômico
Percepção entre magistrados é de que vídeos na Embaixada da Hungria são usados pelo bolsonarismo com propósito de forçar prisão
A prisão preventiva hoje interessa mais
a Jair Bolsonaro do que à investigação. Se o ex-presidente ainda tem
algum poder de mobilização, daqui a um ano ou dois, com as decisões do relator,
ministro Alexandre de Moraes, respaldadas em plenário e a provável derrota
de seus recursos, a mobilização arrisca esmorecer.
A conveniência da prisão divide os tribunais
superiores de Brasília, mas não a percepção de que o vídeo divulgado pelo
jornal americano “The New York Times” com a ida do
ex-presidente à Embaixada da Hungria na noite da segunda-feira de Carnaval está
sendo usado pelo bolsonarismo com o propósito de forçar uma prisão.
Ninguém tem dúvida de que buscou asilo, mas, uma vez lá, pode ter desistido da ideia face à confirmação da ida do governador Tarcísio de Freitas à manifestação na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro. A confirmação veio em 14 de fevereiro, mesmo dia em que Bolsonaro deixou a embaixada. Naquele dia também, ficou evidente que o governo perdia a guerra de narrativas sobre a fuga no presídio de Mossoró, ocorrido na véspera. Além de querer ir ao palanque reforçado da Paulista, pode ter calculado que sua prisão, em meio à incompetência para manter chefes do Comando Vermelho presos, daria ao bolsonarismo uma plataforma para deitar e rolar.
A marcha ré no intento não significa que
agora, o ex-presidente possa estar forçando uma prisão preventiva. A nota dos
advogados de Bolsonaro reforçou esta percepção. Nesta nota, Paulo
Amador Cunha Bueno, Daniel Tesser e Fabio Wajngarten dizem que o propósito
de Bolsonaro era o de “manter contatos com autoridades de país amigo”.
O texto ainda provoca Alexandre de Moraes ao
concluir que, qualquer outra interpretação que extrapole o conteúdo da nota
constitui “evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e
são, na prática, mais um rol de ‘fake news’”.
A amizade procede. Dias antes de ir à
Embaixada da Hungria, o primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, ícone da
extrema-direita mundial, publicou numa rede social uma foto com o ex-presidente
com a seguinte legenda em inglês: “Um patriota honesto. Siga lutando, Sr.
presidente @jairbolsonaro”. Eles estiveram juntos na posse de Javier Milei, na
Argentina, em dezembro.
O que não procede é que o cultivo desta
amizade tenha sido o propósito de uma visita no meio da noite, na única
companhia de um segurança, com cenas que, nitidamente, mostram a hospedagem
improvisada com funcionários carregando lençóis, travesseiro, água e café pelo
corredor onde passara Bolsonaro.
Na interpretação de um togado, no limite,
até o “desabafo”
do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, serviu ao
mesmo propósito, o de embaçar as investigações, confundir os delatores e
precipitar ações do relator.
A percepção de que a prisão preventiva hoje
só interessa a Bolsonaro parte do pressuposto de que o ex-presidente só
consegue mobilizar ante um tropeço do seu sucessor, como foi o caso da
comparação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre Gaza e Holocausto, que
atraiu evangélicos e a comunidade judaica, além de atiçar saudosistas a
comparecer à manifestação na avenida Paulista em 25 de fevereiro.
A ida à embaixada foi precipitada pela prisão
de quatro de seus assessores e a operação de busca e apreensão em sua casa, em
Angra dos Reis, e na de ex-colaboradores de seu governo suscitada pelas
evidências de participação na trama para evitar a posse de Lula e na apreensão
de seu passaporte. Quatro dias depois, em plena segunda-feira de carnaval,
Bolsonaro buscou refúgio na Embaixada húngara, cujo titular, Miklós Halmai,
chegou ao Brasil em setembro, mas serviu em Portugal anteriormente e domina a
língua pátria.
Sem ordem de prisão, Bolsonaro deixou a
Embaixada e voltou para o Rio. Um mês mais tarde, lançou a pré-candidatura do
deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) à prefeitura da capital fluminense.
O evento, na quadra da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel,
tinha Bolsonaro como a grande atração e ocupou apenas um terço de sua
capacidade.
A quadra é vizinha da Vila Militar,
tradicional zona eleitoral do bolsonarismo, o que reforça a hipótese de que o
poder de mobilização do bolsonarismo é cadente. A grande aposta do bolsonarismo
é alavancar seus eleitores nesta disputa municipal para preservar a força de
suas bases locais entre evangélicos, forças de segurança e territórios
dominados por milícias e ruralistas, além de franjas da sociedade insatisfeitas
com o governo Lula.
A reação do bolsonarismo demonstra que seus
métodos se confundem com aqueles do ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo
Barbosa. Depois do “desabafo” de Mauro Cid, Fabio Wajngarten disse ter sido
surpreendido e que o ato não foi “oportuno”. Um “plano tabajara”, resumiu.
Depois da operação que prendeu os irmãos
Brazão, escreveu nas redes sociais: “Se minimamente trabalhada a eleição da
cidade do Rio acabou hoje. Mãos à obra”. Além de aliado do bolsonarismo, o
deputado federal Chiquinho Brazão (RJ) foi secretário do atual prefeito do Rio,
Eduardo Paes. A executiva do União Brasil, partido a qual era filiado, decidiu
no domingo, por unanimidade, pela sua expulsão.
A trilogia se completou ontem com a nota sobre a “visita de cortesia” à Embaixada da Hungria. Se Rivaldo Barbosa fingiu amizade com a família de Marielle para monitorar a reação a um crime que tentou encobrir, o método bolsonarista finge submissão ao inquérito enquanto embaralha as cartas para confundir os investigadores. Parece remota a chance de sucesso.
Tomara.
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