segunda-feira, 25 de março de 2024

Diogo Schelp - Política e crime: elo de padrão mexicano

O Estado de S. Paulo

Caso Marielle mostra que lá e aqui, frequentemente, a política e o crime se tornam uma coisa só

Houve um tempo, no México, em que os cartéis das drogas lidavam com autoridades políticas, policiais ou judiciais de acordo com uma receita simples, que os criminosos chamavam de plata o plomo (“prata ou chumbo”, em espanhol).

Ou seja, políticos e agentes da lei podiam ser cooptados por meio do pagamento de propina (prata) ou intimidados e eliminados com o emprego da violência (chumbo). Há muitos anos, porém, os elos entre política e crime organizado no país evoluíram para um estágio mais complexo, em que interesses políticos se misturam com atividades criminosas, tornando impossível distinguir onde começa um e termina o outro, ou qual alimenta qual. É a política que está a serviço do crime ou o crime que serve à política?

O caso Marielle Franco sugere que o Brasil atingiu o padrão mexicano de elo entre política e crime organizado. Os suspeitos de ordenar ou encobrir o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, presos em operação da Polícia Federal neste domingo, incluem um deputado federal, Chiquinho Brazão, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), Domingos Brazão, e um ex-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa.

Os dois primeiros foram apontados como mandantes do crime pelo ex-PM e miliciano Ronnie Lessa, que confessou ter matado a vereadora e o seu motorista, Anderson Gomes, em 2018.

A motivação seria o fato de Marielle ter se tornado um obstáculo aos interesses de especulação imobiliária dos irmãos Brazão em uma área de influência das milícias na zona oeste do Rio. Chiquinho e Domingos têm uma longa trajetória política no Estado, que inclui mandatos na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa (Alerj), onde ainda mantêm influência, e possuem apadrinhados na prefeitura e no governo do Estado.

Já o delegado Rivaldo Barbosa foi preso pela suspeita de ter participado de uma trama para encobrir os culpados pelo assassinato. Justo ele, que chefiava o órgão policial inicialmente responsável pela investigação.

Guardadas as proporções, a suspeita sobre Barbosa lembra o caso do ex-chefe de combate ao narcotráfico no México, Genaro García Luna, que no ano passado foi condenado nos Estados Unidos por fazer exatamente o contrário do que seu cargo exigia: ele trabalhava para, não contra, os grupos criminosos.

Lá e aqui, frequentemente não é a política que está a serviço do crime ou o crime que serve à política. Ambos acabam se tornando uma coisa só.

 

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