O Estado de S. Paulo
Caso Marielle mostra que lá e aqui, frequentemente, a política e o crime se tornam uma coisa só
Houve um tempo, no México, em que os cartéis
das drogas lidavam com autoridades políticas, policiais ou judiciais de acordo
com uma receita simples, que os criminosos chamavam de plata o plomo (“prata ou
chumbo”, em espanhol).
Ou seja, políticos e agentes da lei podiam ser cooptados por meio do pagamento de propina (prata) ou intimidados e eliminados com o emprego da violência (chumbo). Há muitos anos, porém, os elos entre política e crime organizado no país evoluíram para um estágio mais complexo, em que interesses políticos se misturam com atividades criminosas, tornando impossível distinguir onde começa um e termina o outro, ou qual alimenta qual. É a política que está a serviço do crime ou o crime que serve à política?
O caso Marielle Franco sugere que o Brasil
atingiu o padrão mexicano de elo entre política e crime organizado. Os
suspeitos de ordenar ou encobrir o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro,
presos em operação da Polícia Federal neste domingo, incluem um deputado
federal, Chiquinho Brazão, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-RJ), Domingos Brazão, e um ex-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa.
Os dois primeiros foram apontados como
mandantes do crime pelo ex-PM e miliciano Ronnie Lessa, que confessou ter
matado a vereadora e o seu motorista, Anderson Gomes, em 2018.
A motivação seria o fato de Marielle ter se
tornado um obstáculo aos interesses de especulação imobiliária dos irmãos
Brazão em uma área de influência das milícias na zona oeste do Rio. Chiquinho e
Domingos têm uma longa trajetória política no Estado, que inclui mandatos na
Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa (Alerj), onde ainda mantêm
influência, e possuem apadrinhados na prefeitura e no governo do Estado.
Já o delegado Rivaldo Barbosa foi preso pela
suspeita de ter participado de uma trama para encobrir os culpados pelo
assassinato. Justo ele, que chefiava o órgão policial inicialmente responsável
pela investigação.
Guardadas as proporções, a suspeita sobre
Barbosa lembra o caso do ex-chefe de combate ao narcotráfico no México, Genaro
García Luna, que no ano passado foi condenado nos Estados Unidos por fazer
exatamente o contrário do que seu cargo exigia: ele trabalhava para, não
contra, os grupos criminosos.
Lá e aqui, frequentemente não é a política
que está a serviço do crime ou o crime que serve à política. Ambos acabam se
tornando uma coisa só.
Nenhum comentário:
Postar um comentário