Valor Econômico
Déficits na conta corrente são sempre maus, mesmo se forem financiados por investimentos diretos
Era uma vez um país que poupava e investia
18% do seu PIB, quando os países que crescem rapidamente e fazem o “catching
up” poupam cerca de 30%. Por outro lado, o déficit na conta corrente do país
era de 2% do PIB, ou seja, o país gastava mais do arrecadava e sua dívida
externa aumentava. “O que fazer?”, pergunta o governo. A solução chega rápido a
ouvidos ansiosos: é tomar emprestado e crescer com poupança externa. Dez anos
depois, porém, o que aconteceu? A taxa de investimento continuou a mesma e o país
continuou a crescer pouco, muito pouco.
O excelente correspondente de Valor em Genebra Assis Moreira apresentou em 29/2 algumas das informações que o Human Development Report 23/24 do Pnud/ONU apresentará nos próximos dias. A história triste é que os países, muito parecidos com a nossa historieta do parágrafo anterior, estão muito endividados e semiestagnados. “De 59 economias em desenvolvimento examinadas, 32 têm notas de crédito classificadas abaixo do grau de ‘não investimento’. Pelo menos 36 estão classificadas como em risco ou em alto risco de endividamento”. Pior: “Entre 22 dos países mais pobres, o pagamento do serviço da dívida representa mais de 20% de sua receita”. E, segundo o FMI, representa 59,1% do PIB desses países.
Para não haver dúvida sobre o absurdo da
situação, “o Pnud estima que países de baixa renda gastam 2,3 vezes mais em
média com o pagamento de juros do que com assistência social para sua
população, 1,4 vez mais que com gastos domésticos com saúde ou 60% do que
destinam para educação”.
Desculpem a citação, mas aí estão os dados de
uma tragédia que está sempre acontecendo - uma tragédia contínua que de tempos
em tempos se agrava. E que confirma uma tese mais geral que defendo: quanto
mais um país se endivida, menos cresce.
Sei que estou indo contra a corrente - contra
o saber estabelecido. Estou dizendo que os países devem evitar o mais possível
déficits em conta corrente e, portanto, não devem se endividar em moeda
estrangeira.
Um comportamento frequente de ministros de
finanças dos países em desenvolvimento é buscarem reduzir o deficit público
para conseguir crédito no exterior e, assim, poder contar com a poupança
externa. Serem responsáveis no plano fiscal é ótimo, mas não por esta razão.
Excetuados alguns casos especiais, o principal deles é o país já estar
crescendo em ritmo de milagre. Então, a propensão marginal a consumir cai, a
propensão marginal a investir aumenta, e a taxa de substituição da poupança
interna cai, e a poupança externa se soma à interna. Fora dessa situação, os
países não devem buscar poupança externa para crescer, porque a poupança
externa simplesmente substitui a interna, enquanto o país se endivida.
Não devem tentar crescer com poupança externa
por dois motivos que ocorrem sucessivamente. O primeiro deles é uma das ideias
básicas do Novo Desenvolvimentismo. Quando um país tenta crescer com poupança
externa, ou seja, com déficits na conta corrente financiados por empréstimos ou
investimentos diretos, a taxa de câmbio do país se aprecia no longo prazo
(enquanto estiverem entrando mais dólares do que saindo devido aos déficits),
as empresas industriais perdem competitividade, e o país, ao invés de se industrializar,
se desindustrializa. Este fato já conta com um número elevado de comprovações
empíricas.
O segundo motivo se subdivide em dois.
Primeiro, é o elevado peso do serviço da dívida externa pública sobre o PIB,
cujos dados recentes vimos acima. Como pode o Estado investir se 20% de sua
receita é destinada a pagar juros ao exterior? Sem falar no custo da dívida
interna. Segundo, é o risco de o país quebrar, entrando em uma crise de balanço
de pagamentos.
Uma crise dessas é provável nos países de
renda baixa, mas acontece também em países de renda média, como é o caso da
Argentina desde o governo de Mauricio Macri. E pode acontecer até em países
ricos, como foi o caso do Reino Unido em 1976. Ela prejudica o crescimento de
um país por muitos anos.
Os países ricos ignoram o primeiro motivo,
mas não podem ignorar o segundo. Diante da ameaça de crise financeira nos
países mais frágeis, eles poderiam limitar seus empréstimos a esses países
exportar seus capitais - não os investimentos diretos das multinacionais que
não são causa de crise de balanço de pagamentos porque não têm data de
vencimento.
Ao invés disto, porém, encontraram uma
“solução”. John Williamson, nos anos 1980 (a década da grande crise da dívida
externa), formulou o conceito de taxa de câmbio de “equilíbrio fundamental”,
que eu prefiro chamar de taxa de câmbio de “equilíbrio de dívida externa”. É um
conceito simples: o país pode se endividar em moeda estrangeira desde que seus
déficits em conta corrente em relação ao PIB não sejam maiores que o
crescimento do PIB. Em outras palavras, desde que a relação dívida externa/PIB
não aumente, não ocorrendo, portanto, o problema do peso excessivo de juros,
nem a ameaça de crise de balanço de pagamentos.
Há uma fórmula que permite aos economistas
ortodoxos calcularem essa taxa de câmbio “de equilíbrio” e a propô-la como o
caminho do desenvolvimento para a periferia do capitalismo. Essa política,
porém, implica sobreapreciação cambial (o que já é péssimo) e mais, se o país
descuidar quanto ao limite do equilíbrio de dívida externa (o que é muito
comum), verá o custo do serviço da dívida aumentar senão entrar em crise de
balanço de pagamentos.
Estas considerações me levam afirmar que
déficits na conta corrente são sempre maus, mesmo se forem financiados por
investimentos diretos, porque sempre apreciam o câmbio. E também empréstimos em
moeda estrangeira são sempre maus não apenas pelo primeiro, mas pelos dois
motivos já discutidos.
Por que, então, os países periféricos
insistem em se endividar? Porque no curto prazo, enquanto não operam os motivos
negativos, as entradas de capitais de empréstimo podem aumentar a taxa de
crescimento. E porque os governantes, sejam de direita ou de esquerda, além de
pensarem só no curto prazo, preferem déficits na conta corrente e uma taxa de
câmbio porque isto aumenta o poder aquisitivo dos salários e eles são
reeleitos. Como se vê, há aqui uma perfeita sintonia entre o populismo dos
políticos e a ortodoxia econômica.
*Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da
Fazenda, é professor emérito da FGV.
Ok
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ResponderExcluir■Grafei una rubrica com erro em uma resposta e acabei repetindo o erro em outra. Fiz as duas correções, mas para evitar confusão decidi remover os comentários.
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