quarta-feira, 13 de março de 2024

Fernando Exman - Voluntarismo versus estratégia de governo

Valor Econômico

Lula precisará ter paciência até que cheguem na ponta as medidas adotadas pelo governo para melhorar o ambiente econômico

Os dados da inflação divulgados nessa terça-feira (12) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram como o presidente Lula precisará ter paciência até que cheguem na ponta as medidas adotadas pelo governo para melhorar o ambiente econômico.

Pelo que se vê, com a retomada dos ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e da pressão sobre Petrobras e Vale, não será fácil. Mas um antigo aliado de Luiz Inácio Lula da Silva recorre a uma metáfora para explicar o motivo da necessidade de se ter mais tranquilidade: “Economia é igual chuveiro de água quente”. É porque você gira a torneira, mas demora até que a água quente chegue a quem está tomando banho. A pessoa se molha com água fria por um tempo, antes de receber sobre a cabeça as primeiras gotas que lhe darão mais conforto.

Demora. E é essa a situação atual do país, acrescenta o interlocutor.

Liste-se, então, algumas medidas já implementadas e que ainda não surtiram total efeito, na visão de integrantes do governo. Uma é o aumento real do salário mínimo. Outra a nova política de preços da Petrobras, que levou a uma maior estabilidade de preços. O Planalto também aposta na retomada de investimentos e, em outra frente, no efeito positivo sobre o consumo que a correção da tabela do Imposto de Renda pode ter.

Tudo isso não terá o condão de imediatamente proporcionar à população uma sensação de maior prosperidade. As pessoas, apuraram as sondagens internas do governo, acreditam que não retomaram o padrão de vida que tinham anos atrás.

O governo iniciou o ano sabendo que precisaria passar uma mensagem de que a vida “será melhor”. Era conhecida a insatisfação da população com os preços da energia elétrica, do arroz e feijão, de frutas, legumes e verduras, dos remédios, com a conta de água, os preços da carne vermelha, roupas e calçados, gás de cozinha, combustível e ovos. O IBGE apenas traduziu em números o motivo dessa percepção.

Pois o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,83% em fevereiro, após alta de 0,42% em janeiro. Uma leve oscilação em relação ao mesmo mês do ano passado, quando a alta foi de 0,84%, mas acima do previsto pelas 38 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data. A mediana das projeções era de alta de 0,78%.

A gasolina teve maior influência no resultado, com uma alta de 2,93% em razão do aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos Estados. Como ocorre sempre nesta época do ano, o mês foi marcado pelo aumento dos preços do setor de educação por conta dos reajustes de mensalidades escolares no início do ano letivo.

Os preços de telefonia, internet e TV por assinatura subiram. E houve nova aceleração dos preços de alimentação e bebidas: contribuíram para o resultado as altas da cebola (7,37%), batata-inglesa (6,79%), frutas (3,74%), arroz (3,69%) e leite longa vida (3,49%).

O governo pode argumentar que há boas notícias em relação à inflação de serviços e que, contabilizado o período de 12 meses, houve uma desaceleração dos preços. Tal convergência em direção à meta, pode-se acrescentar, deve ser levada em consideração pelo Banco Central nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Porém, isso não mudará de imediato o humor da sociedade em geral, ainda que se possa sustentar que fatores externos ao Executivo influenciaram esse resultado, como o clima.

Integrantes do núcleo político do Planalto também olham para fora do país, e não é só a reorganização da extrema direita que entrou no radar. Para eles, a dificuldade do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em sua campanha à reeleição é uma demonstração de que é preciso ir além da economia, diante da polarização política.

Nesse contexto, o governo precisa apresentar propostas e ações que dialoguem com as demandas do conjunto da população nas áreas econômica, social e ambiental. Ou seja, ultrapassem a parcela do eleitorado que votou em Lula por exclusão, apenas para impedir a permanência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por mais quatro anos no cargo.

Sustentabilidade ambiental e inclusão, um Brasil que cresce sem agredir o meio ambiente e sem deixar ninguém para trás, seriam então as bandeiras que poderiam ganhar espaço.

Há poucos dias, o governo anunciou proposta de regulamentação do trabalho dos motoristas de aplicativos, para que eles sejam integrados à Previdência Social. Na recente crise envolvendo os dividendos da Petrobras, integrantes do governo fizeram questão de assegurar que grande parte da reunião realizada no Palácio do Planalto com executivos da empresa foi para tratar do plano de transformação energética da companhia.

É do roteiro. Porém, Lula demonstra que sempre pode tentar esquentar a água por conta própria quando estiver insatisfeito com a temperatura apurada pelo termostato. Foi assim quando atacou novamente Campos Neto, pressionou a Petrobras e a Vale ou prometeu trabalhar para baixar os preços da energia e dos alimentos. Dessa forma voluntarista, estará ignorando o conselho de seus auxiliares e falando só para a militância que já o apoia.

 

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