Valor Econômico
Nos bastidores do Ministério da Fazenda,
comemora-se a boa recepção internacional à proposta
Nos bastidores do Ministério da Fazenda,
comemora-se a boa recepção internacional à proposta de se criar uma taxação
mínima global sobre os super-ricos, apresentada na semana passada, durante a
reunião de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20. Ao
apadrinhar um tema de grande apelo popular mundo afora, o ministro Fernando
Haddad cravou uma marca para a presidência brasileira no bloco das principais
economias do planeta.
Mas esse foi, basicamente, um balão de
ensaio: a proposta ainda precisa ganhar carne e osso, e só então eventuais
resistências aparecerão.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel foi taxativo em sua conversa com a coluna: “Não tem a mais remota possibilidade de prosperar”.
Por ora, o Brasil tratou de “abrir uma porta
e colocar a boca no mundo”, segundo define um integrante da equipe econômica.
Nisso, avalia-se que foi bem-sucedido.
Na visão de membros de sua equipe, Haddad
ocupou um lugar que lhe seria natural: liderar o debate global sobre
tributação, depois de haver desencalhado, no Brasil a reforma tributária, que
estava em discussão havia mais de 30 anos. E de aprovar leis que mudaram a
tributação sobre a renda nos fundos de investimento fechados e nos fundos
offshore, ambos utilizados pelos super-ricos.
Um trunfo que ampliou a visibilidade
internacional da proposta foi ter trazido ao Brasil o diretor do Observatório
Fiscal da União Europeia, Gabriel Zucman. Ele é autor de uma proposta de taxar
os super-ricos em 2% e uma referência em sua área. Recebeu recentemente a
medalha John Bates Clark, considerada a segunda premiação mais prestigiosa após
o prêmio Nobel,
Os próximos passos envolvem ampliar a rede de
apoios internacionais à proposta. Como disse Zucman em entrevista a Marcelo
Osakabe, deste jornal, a adesão de um número importante de países será
suficiente para colocá-la em funcionamento. Não seria necessário um consenso
global, na sua visão.
A busca de apoios será intensificada durante
a segunda reunião de ministros de finanças do G20. Ocorrerá em paralelo à
reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial,
marcada para os dias 19 a 21 de abril, em Washington. O trabalho prosseguirá
nos meses seguintes.
No mapa de apoios à ideia, a Fazenda coloca
os Estados Unidos. O tema da justiça tributária, com maior cobrança de impostos
de pessoas ricas e de companhias, será um dos temas da campanha à reeleição do
democrata Joe Biden. Uma eventual vitória do republicano Donald Trump muda o
quadro. Mas, na visão de Zucman, não inviabiliza a proposta.
A França também manifestou apoio, informa-se.
Presente à reunião do G20, o ministro de Finanças daquele país, Bruno Le Maire,
mostrou sensibilidade ao tema. É uma tese que a direita europeia deve abraçar
para conter o avanço da extrema direita, avaliou ele em conversas durante o
evento.
Houve sinalização positiva também por parte
do Reino Unido, segundo fonte do governo brasileiro. A expectativa é que o tema
seja impulsionado a partir das eleições legislativas, programadas para o
segundo semestre deste ano. As pesquisas de opinião mostram vantagem dos
Trabalhistas (centro-esquerda), o que promete facilitar o diálogo.
A Noruega comprou a tese “abertamente”,
avalia-se. Também houve sinais positivos por parte da Índia. Na região,
acredita-se ser possível atrair apoios de países como Colômbia e Chile.
Por enquanto, os países estão concordando com
o “rumo da prosa”, como se diz aqui pelo Cerrado. Só com o detalhamento é que
poderão realmente definir seu apoio.
A presidência do G20, exercida pelo Brasil,
encomendou a Zucman um relatório sobre aspectos práticos da nova taxação. A
expectativa no Ministério da Fazenda é que haja uma visão mais concreta para
ser discutida na reunião do bloco marcada para julho.
Zucman tem dito que não será necessário o
consenso mundial sobre a taxação das riquezas porque a ideia é utilizar um
princípio já existente na taxação mínima de 15% sobre multinacionais. Um país
pode tributar empresas que estejam em nações que não aderiram ao acordo. Algo
semelhante poderia ser feito em relação aos super-ricos. Mas, para funcionar, é
necessário que um número grande de países importantes tenha aderido.
Everardo discorda. “Só se pode tributar o
jurisdicionado”, afirmou. Ele é cético quanto à viabilidade de iniciativas
globais para conter a evasão tributária, seja por pessoas, seja por empresas -
como é o caso da taxação mínima das múltis. Até hoje, disse ele, o Brasil é o
único país a estabelecer em lei o que é um paraíso fiscal. Foi aprovada quando
a Receita Federal estava sob seu comando, nos anos 1990.
Seguindo a velha máxima de que o diabo mora
nos detalhes, a taxação dos super-ricos ainda demandará anos de discussão. Da
mesma forma, o grande feito de haver aprovado a reforma da tributação sobre o
consumo no Brasil ainda exigirá muito debate este ano, quando será formulada
sua regulamentação. Nas duas frentes, a batalha está por ser travada.
Pois é.
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