Correio Braziliense
Era mais útil respeitar as decisões do
Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias, em vez
de tentar impô-las, fiando-se no “dispositivo militar”
A memória do ex-presidente João Belchior
Marques Goulart (PTB) será lembrada nesta quarta-feira num evento convocado
pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sob a presidência do jornalista
Octávio Costa, a propósito dos 60 anos do Comício da Central do Brasil, em 13
de março de 1964. Estarão presentes a viúva do ex-presidente João Goulart, dona
Maria Thereza; Clodsmidt Riani Filho, organizador do comício; e o jornalista,
professor de literatura e ex-capitão do Exército Ivan Proença, ex-presidente do
Conselho Deliberativo da ABI, que pertencera ao chamado “dispositivo militar”
de Jango, como oficial de sua confiança nos Dragões da Independência.
Em 1º de abril, após impedir a invasão do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco) da Faculdade Nacional de Direito por um grupo paramilitar de extrema-direita, ao voltar para o Ministério do Exército, Proença foi preso pelos colegas. Jango havia se deslocado para Brasília, o golpe de Estado estava consolidado. Deu errado o famoso “dispositivo” do chefe do Gabinete Militar da Presidência, Argemiro de Assis Brasil, que consistia em promoções e nomeações a comandos importantes de militares supostamente leais ao presidente da República.
A situação havia se radicalizado desde o
plebiscito que restabeleceu o presidencialismo, em 6 de janeiro de 1963. A
oposição ao presidente João Goulart, que havia assumido o Palácio do Planalto
após a surpreendente renúncia de Jânio Quadros, no contexto de um regime
parlamentarista negociado com a oposição, acusava Jango de preparar um golpe de
Estado aliado aos comunistas.
Em 12 setembro daquele ano, em Brasília, uma
rebelião de sargentos da Aeronáutica e da Marinha, que não aceitaram a decisão
do Supremo Tribunal Federal de não reconhecer a elegibilidade dos sargentos
para o Legislativo com base na Constituição, alimentou as suspeitas. Em
protesto, os sargentos tomaram de assalto a Base Aérea e o Ministério da
Marinha, fecharam rodovias e o aeroporto, invadiram o Congresso Nacional e
ocuparam o prédio do STF.
Os comandantes militares liquidaram a
rebelião dos sargentos, mas ficaram ressentidos com Jango, por sua
“neutralidade” diante da insubordinação e da quebra de hierarquia militar, que
sempre foram vistas como ameaça aos fundamentos organizacionais e operacionais
das Forças Armadas. Além disso, desde outubro, quando fora entrevistado pelo
jornal Los Angeles Times, o governador carioca Carlos Lacerda (UDN) atacava o
presidente da República e os chefes militares que o apoiavam.
Irritado com Lacerda, Jango solicitou ao
Congresso a decretação de estado de sítio para intervir na Guanabara, mas houve
forte reação dos grandes partidos da época, PTB, UDN e PSD, e até dos
comunistas, que rejeitaram a proposta. O desgaste de Jango foi grande. A
oposição passou a acusá-lo de inimigo da democracia e da legalidade, ao mesmo
tempo em que ela própria conspirava para destituir o presidente da República.
Apelo às massas
A situação econômica do país era delicada,
com uma inflação de 79,9%, a economia estava estagnada, com uma taxa de
crescimento de 1,5%, o que levou o empresariado e a classe média à oposição.
Além disso, num ambiente de guerra fria, a aproximação de Jango com os países
socialistas, principalmente União Soviética, China e Cuba, apesar de ter sido
iniciada por Jânio Quadros, levou ao bloqueio financeiro pelos credores
externos. E os Estados Unidos, presidido por Lyndon Johnson após o assassinato
de John Kennedy, se negaram a renegociar a dívida externa brasileira.
Foi quando o assessor de imprensa de Jango, o
jornalista Raul Riff, ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), procurou
Antônio Ribeiro Granja, integrante do secretariado do Comitê Central da
legenda, para marcar um encontro de Jango com o líder comunista Luís Carlos
Prestes. Os dois se reuniram num apartamento em Copacabana. À saída do
encontro, Prestes comentou com Granja que Jango estava se sentindo acuado e
temia o colapso financeiro do governo. Por isso, havia sugerido ao presidente
da República que “apelasse às massas” para realizar as reformas de base. Dessa
conversa resultou o comício da Central do Brasil, para o qual os sindicatos
controlados por PTB e PCB promoveram intensa mobilização.
No foyer do nono andar da ABI, será
inaugurada a exposição Rio 64 — a capital do golpe, que permanecerá em cartaz
até 13 de abril. A exposição traz uma representação iconográfica dos principais
acontecimentos que culminaram no golpe de 31 de março, consumado na madrugada
de 1º de abril, data desprezada por ser o dia da mentira. Não foi, os militares
permaneceram no poder por 20 anos. Há diferentes leituras sobre o golpe de
1964, todas têm em comum a conclusão de que Jango havia se isolado, os Estados
Unidos patrocinaram o golpe de Estado e as esquerdas não tinham a força que
imaginavam na Central do Brasil. Em vez de apostar num “dispositivo militar”,
era mais importante respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade
de que as reformas eram necessárias. E não as impor.
Pois é.
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