O Globo
Lula não colheu nada de bom com este começo
de ano pautado pelo voluntarismo. Sua popularidade cai um pouco a cada pesquisa
Em 2024, tem sido uma constante a promessa de
que a próxima semana será aquela em que o governo Lula fará
deslanchar sua agenda para o ano. E, a cada semana, o que se vê é o acréscimo
de alguma crise autoalimentada a um portfólio já extenso. O resultado é que o
primeiro trimestre já está praticamente perdido, isso num ano cujo calendário
já seria atípico, ditado pelas eleições.
Nem Freud explica por que Lula e seus ministros decidiram desperdiçar a boa colheita política e econômica de 2023 e o pior momento vivido por Jair Bolsonaro com polêmicas inúteis, revisão de velhas práticas reprovadas por amplas parcelas da sociedade e recaídas intervencionistas numa economia que vinha crescendo a 3%.
Em 8 de fevereiro, os brasileiros já estavam
colocando a fantasia e o glitter para o carnaval quando foram surpreendidos
pelas estarrecedoras revelações da extensão da trama golpista engendrada por
Bolsonaro em vários momentos de 2022. O núcleo mais próximo do ex-presidente e
ele próprio foram atingidos por medidas policiais e judiciais. Nessa mesma
época, Lula estava numa agenda intensiva de viagens a estados-chaves nas
eleições de outubro, fechando acordos promissores com partidos aliados no Rio e
em São Paulo. Parecia ensaiar também um armistício com Arthur Lira,
que destravaria as votações no Congresso, e contava com a paciência mineira de
Rodrigo Pacheco para segurar o ímpeto da oposição. No Supremo, estava próxima a
posse de Flávio Dino,
mais um ministro nomeado pelo petista, que deveria compor a já esmagadora
maioria a favor de punições severas para os que tentaram suprimir a democracia.
A arrecadação vinha de vento em popa, puxada
justamente pelas medidas exitosas de 2023, e a ideia era acelerar investimentos
para dar um gás na popularidade presidencial.
Aí o presidente decidiu mudar o rumo do barco
e ignorar as cartas náuticas. Vieram as falas comparando o Holocausto à guerra
em Gaza,
os rumores por pressão para emplacar um aliado na presidência da Vale, uma
empresa privada, e a demora em encaminhar efetivamente um acordo com o
Congresso.
Em seguida, em vez de retomar a navegação por
aparelhos, o presidente voltou a incorrer em improviso eivado de desinformação
ao comparar a democracia brasileira à autocracia venezuelana, o governo levou
uma surra na composição das comissões da Câmara, evidenciando o apagão de
liderança política no Parlamento, e, agora, provocou, pela sanha
intervencionista, uma crise que fez derreter as ações da Petrobras a
troco de nada.
As declarações de Rui Costa,
minimizando a crise e atribuindo-a, de forma leviana, a especulações do
mercado, quando todo mundo sabe de onde partiu o rojão, nada mais são que uma
tremenda digital do ministro da Casa Civil no episódio desastroso.
Outra evidência disso foi a entrada em cena
de Fernando
Haddad para tentar mediar a situação e evitar que a crise
escalasse. Ao praticamente bancar a permanência, ao menos por ora, de Jean Paul
Prates à frente da empresa e designar um conselheiro de sua
confiança para o conselho, Haddad se contrapõe ao avanço de Costa para ampliar
sua influência sobre o governo como um todo e para tentar pautar a diretriz
política e econômica — no sentido de um Estado que tudo pode, tudo faz e tudo
vê, que não condiz mais com o desenho institucional, social e político do país.
Os embates entre Costa e Haddad, até aqui
tratados de forma discreta por observadores internos e mantidos nos bastidores
pelos próprios, tendem a se tornar mais visíveis a olho nu à medida que avance
a disputa pelo rumo do governo.
Lula não colheu nada de bom com este começo
de ano pautado pelo voluntarismo. Sua popularidade cai um pouco a cada pesquisa
e, agora, até sua capacidade de transferir votos para seus candidatos a
prefeito parece comprometida, como mostrou o Datafolha em relação ao pleito
paulistano.
Tanta trapalhada deu a Bolsonaro um respiro
para sair das cordas e a capacidade de, mesmo em péssimos lençóis, rearticular
a oposição e se reaproximar do governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas.
Aliados de Lula contam com medidas como o
anúncio de mais de cem novos institutos federais, a renegociação da dívida dos
estados e a retomada da agenda de viagens para reverter a maré de más notícias.
Além de serem estratégias velhas, de nada adiantarão se o presidente continuar
falando e fazendo o que lhe der na veneta ou o que lhe sopram aliados sem
sintonia com a realidade, que não lhe fornecem os dados precisos.
Vera entende do riscado.
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