quarta-feira, 13 de março de 2024

Vera Magalhães - Governo acumula crises e perde primeiro trimestre

O Globo

Lula não colheu nada de bom com este começo de ano pautado pelo voluntarismo. Sua popularidade cai um pouco a cada pesquisa

Em 2024, tem sido uma constante a promessa de que a próxima semana será aquela em que o governo Lula fará deslanchar sua agenda para o ano. E, a cada semana, o que se vê é o acréscimo de alguma crise autoalimentada a um portfólio já extenso. O resultado é que o primeiro trimestre já está praticamente perdido, isso num ano cujo calendário já seria atípico, ditado pelas eleições.

Nem Freud explica por que Lula e seus ministros decidiram desperdiçar a boa colheita política e econômica de 2023 e o pior momento vivido por Jair Bolsonaro com polêmicas inúteis, revisão de velhas práticas reprovadas por amplas parcelas da sociedade e recaídas intervencionistas numa economia que vinha crescendo a 3%.

Em 8 de fevereiro, os brasileiros já estavam colocando a fantasia e o glitter para o carnaval quando foram surpreendidos pelas estarrecedoras revelações da extensão da trama golpista engendrada por Bolsonaro em vários momentos de 2022. O núcleo mais próximo do ex-presidente e ele próprio foram atingidos por medidas policiais e judiciais. Nessa mesma época, Lula estava numa agenda intensiva de viagens a estados-chaves nas eleições de outubro, fechando acordos promissores com partidos aliados no Rio e em São Paulo. Parecia ensaiar também um armistício com Arthur Lira, que destravaria as votações no Congresso, e contava com a paciência mineira de Rodrigo Pacheco para segurar o ímpeto da oposição. No Supremo, estava próxima a posse de Flávio Dino, mais um ministro nomeado pelo petista, que deveria compor a já esmagadora maioria a favor de punições severas para os que tentaram suprimir a democracia.

A arrecadação vinha de vento em popa, puxada justamente pelas medidas exitosas de 2023, e a ideia era acelerar investimentos para dar um gás na popularidade presidencial.

Aí o presidente decidiu mudar o rumo do barco e ignorar as cartas náuticas. Vieram as falas comparando o Holocausto à guerra em Gaza, os rumores por pressão para emplacar um aliado na presidência da Vale, uma empresa privada, e a demora em encaminhar efetivamente um acordo com o Congresso.

Em seguida, em vez de retomar a navegação por aparelhos, o presidente voltou a incorrer em improviso eivado de desinformação ao comparar a democracia brasileira à autocracia venezuelana, o governo levou uma surra na composição das comissões da Câmara, evidenciando o apagão de liderança política no Parlamento, e, agora, provocou, pela sanha intervencionista, uma crise que fez derreter as ações da Petrobras a troco de nada.

As declarações de Rui Costa, minimizando a crise e atribuindo-a, de forma leviana, a especulações do mercado, quando todo mundo sabe de onde partiu o rojão, nada mais são que uma tremenda digital do ministro da Casa Civil no episódio desastroso.

Outra evidência disso foi a entrada em cena de Fernando Haddad para tentar mediar a situação e evitar que a crise escalasse. Ao praticamente bancar a permanência, ao menos por ora, de Jean Paul Prates à frente da empresa e designar um conselheiro de sua confiança para o conselho, Haddad se contrapõe ao avanço de Costa para ampliar sua influência sobre o governo como um todo e para tentar pautar a diretriz política e econômica — no sentido de um Estado que tudo pode, tudo faz e tudo vê, que não condiz mais com o desenho institucional, social e político do país.

Os embates entre Costa e Haddad, até aqui tratados de forma discreta por observadores internos e mantidos nos bastidores pelos próprios, tendem a se tornar mais visíveis a olho nu à medida que avance a disputa pelo rumo do governo.

Lula não colheu nada de bom com este começo de ano pautado pelo voluntarismo. Sua popularidade cai um pouco a cada pesquisa e, agora, até sua capacidade de transferir votos para seus candidatos a prefeito parece comprometida, como mostrou o Datafolha em relação ao pleito paulistano.

Tanta trapalhada deu a Bolsonaro um respiro para sair das cordas e a capacidade de, mesmo em péssimos lençóis, rearticular a oposição e se reaproximar do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Aliados de Lula contam com medidas como o anúncio de mais de cem novos institutos federais, a renegociação da dívida dos estados e a retomada da agenda de viagens para reverter a maré de más notícias. Além de serem estratégias velhas, de nada adiantarão se o presidente continuar falando e fazendo o que lhe der na veneta ou o que lhe sopram aliados sem sintonia com a realidade, que não lhe fornecem os dados precisos.

 

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