Valor Econômico
Conflitos de interesse dentro do governo
evitam que presidente seja informado sobre as decisões que toma
“Vocês estão querendo f... meu governo”. Foi
assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião da última
segunda sobre a Petrobras.
Queixou-se de que não tinha sido informado de que a retenção dos dividendos
extraordinários levaria as ações da Petrobras a
despencar no mercado como o fizeram na semana passada.
É a segunda vez, em dois meses, que isso
acontece. No domingo, 21 de janeiro, Lula recebeu a agenda do dia seguinte e se
deparou com o lançamento da nova política industrial. Não sabia do que se
tratava. Ligou para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também
desconhecia o tema. No dia seguinte, Lula não disfarçou a irritação no
lançamento, atrasado pela lavagem de roupa prévia ao ato: “Tivemos uma reunião
ruim sobre coisas boas”.
Desta vez, Lula queixou-se de que a informação que tinha era de que os investimentos da empresa dependiam da retenção dos dividendos extraordinários. E que não fazia ideia do vendaval. A queixa de Lula foi definida por um ministro numa frase: “De todo despacho quadrado, sai uma decisão quadrada”.
O último filtro do presidente da República é
a Casa Civil. É seu titular quem, por derradeiro, coloca as mãos sobre aquilo
que o chefe de Estado assina. Impõe-se, portanto, que seja capaz de esmiuçar
interesses em pauta e levar ao presidente um quadro claro e desapaixonado. Na
melhor das hipóteses, o acúmulo da Casa Civil com a gestão do PAC não tem
permitido que o ministro Rui Costa exerça esta função com a equidistância
exigida.
A boa notícia é que, ao contrário dos
primeiros governos Lula, hoje há mais ministros que olham para dentro do
governo em busca do que pode não estar funcionando bem na relação com o setor
privado. Não foram poucas as pautas de potencial atrito com o mercado: da
recuperação de ativos negociada pelo ministro da AGU, Jorge Messias, ao fim das
brechas na tributação dos super ricos, conduzida pelo secretário de reformas
econômicas, Marcos Pinto, passando pela mudança no Carf ou mesmo pela
intrincada reforma tributária, da alçada do Ministério da Fazenda. Pelo
incremento bilionário de receita que representavam, essas iniciativas tinham um
potencial de gerar problemas. Só que não.
A avalanche de enroscos relacionados à
participação acionária da União em empresas do setor energético (Petrobras,
Vale e Eletrobras) mostra que o curto circuito hoje está concentrado na
dobradinha entre o Ministério das Minas e Energia e a Casa Civil. É daí que vem
o combustível para o embate entre a diretoria da Petrobras e
a maioria governista no Conselho de Administração.
Depois da farra da distribuição recorde do
governo Jair Bolsonaro, a diretoria optou por um desmame gradual, com a
distribuição de metade dos dividendos extraordinários e a retenção da outra
metade para investimentos. Foi derrotada pela dupla Alexandre Silveira (MME) e
Rui Costa, que convenceram o presidente da República.
Com a notícia de que a decisão será revista,
os papéis da companhia já começaram a se recuperar, mas os embates estão longe
do fim, principalmente se o preço do petróleo cair. A entrada da Fazenda na
estatal, por meio da indicação do assessor especial de transição energética da
Pasta, Rafael Dubeux, ainda não foi assimilada.
Mal foi anunciado o novo conselheiro, demanda
de Haddad desde a transição, o ministro da Casa Civil apressou-se a esclarecer
que o governo faria uma rotatividade nos integrantes do colegiado. Os focos
potenciais de conflito estão na disposição anunciada por Haddad em fazer deste
conselheiro agente da transição energética da empresa e nas pressões do setor
de gás sobre o portfólio de investimentos da Petrobras.
No ano passado, Silveira antecipou-se ao
presidente ao anunciar a disposição do Brasil de entrar na Opep+. Agora o MME
acelera o programa de biocombustíveis, de grande interesse do agronegócio, sem
que esteja claro como se integrará aos planos da Petrobras para
o setor e como a companhia será onerada.
No gás, a encrenca contratada é ainda maior.
No início deste governo, foi anunciada a intenção de usar a PPSA, empresa que
comercializa o petróleo do pré-sal, para financiar a rede de gasodutos para as
térmicas que as distribuidoras privadas conseguiram incluir na lei que
privatizou a Eletrobras. A governança da Petrobras barrou.
O principal advogado desta ideia é Efrain
Cruz. Ex-diretor da Aneel, ele chegou ao Conselho de Administração com o apoio
das distribuidoras de gás, cuja associação se move sob a liderança de Carlos
Suarez, da CS Participações. No início deste ano, Efrain pediu renúncia do
conselho. Não foi motivada pela relação com as distribuidoras, mas o tema ficou
estigmatizado dentro da estatal.
Quem não desistiu dos gasodutos foi o
ministro da Casa Civil. Antigo aliado do carlismo na Bahia, Suarez
desentendeu-se com ACM Neto durante sua gestão na Prefeitura de Salvador e
acabou por apoiar o candidato do PT à sucessão de Rui Costa na Bahia, Jerônimo
Rodrigues.
A proximidade com Rui Costa é oposta à
relação com Fernando Haddad. Quando prefeito de São Paulo, o ministro cumpriu
promessa de campanha e suspendeu a inspeção veicular feita por um consórcio
integrado pela CS Participações. Ainda provocou o Ministério Público a
investigar a probidade do contrato. A entrada da Fazenda no conselho não deixa
dúvidas de que, sobre os interesses deste setor, haverá mais uma lupa. Na
melhor das hipóteses evitará que, da Petrobras,
venha motivo para Lula repetir a frase lá de cima.
Tomara.
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