quinta-feira, 14 de março de 2024

Maria Cristina Fernandes - A frase que Lula não quer mais repetir

Valor Econômico

Conflitos de interesse dentro do governo evitam que presidente seja informado sobre as decisões que toma

“Vocês estão querendo f... meu governo”. Foi assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião da última segunda sobre a Petrobras. Queixou-se de que não tinha sido informado de que a retenção dos dividendos extraordinários levaria as ações da Petrobras a despencar no mercado como o fizeram na semana passada.

É a segunda vez, em dois meses, que isso acontece. No domingo, 21 de janeiro, Lula recebeu a agenda do dia seguinte e se deparou com o lançamento da nova política industrial. Não sabia do que se tratava. Ligou para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também desconhecia o tema. No dia seguinte, Lula não disfarçou a irritação no lançamento, atrasado pela lavagem de roupa prévia ao ato: “Tivemos uma reunião ruim sobre coisas boas”.

Desta vez, Lula queixou-se de que a informação que tinha era de que os investimentos da empresa dependiam da retenção dos dividendos extraordinários. E que não fazia ideia do vendaval. A queixa de Lula foi definida por um ministro numa frase: “De todo despacho quadrado, sai uma decisão quadrada”.

O último filtro do presidente da República é a Casa Civil. É seu titular quem, por derradeiro, coloca as mãos sobre aquilo que o chefe de Estado assina. Impõe-se, portanto, que seja capaz de esmiuçar interesses em pauta e levar ao presidente um quadro claro e desapaixonado. Na melhor das hipóteses, o acúmulo da Casa Civil com a gestão do PAC não tem permitido que o ministro Rui Costa exerça esta função com a equidistância exigida.

A boa notícia é que, ao contrário dos primeiros governos Lula, hoje há mais ministros que olham para dentro do governo em busca do que pode não estar funcionando bem na relação com o setor privado. Não foram poucas as pautas de potencial atrito com o mercado: da recuperação de ativos negociada pelo ministro da AGU, Jorge Messias, ao fim das brechas na tributação dos super ricos, conduzida pelo secretário de reformas econômicas, Marcos Pinto, passando pela mudança no Carf ou mesmo pela intrincada reforma tributária, da alçada do Ministério da Fazenda. Pelo incremento bilionário de receita que representavam, essas iniciativas tinham um potencial de gerar problemas. Só que não.

A avalanche de enroscos relacionados à participação acionária da União em empresas do setor energético (Petrobras, Vale e Eletrobras) mostra que o curto circuito hoje está concentrado na dobradinha entre o Ministério das Minas e Energia e a Casa Civil. É daí que vem o combustível para o embate entre a diretoria da Petrobras e a maioria governista no Conselho de Administração.

Depois da farra da distribuição recorde do governo Jair Bolsonaro, a diretoria optou por um desmame gradual, com a distribuição de metade dos dividendos extraordinários e a retenção da outra metade para investimentos. Foi derrotada pela dupla Alexandre Silveira (MME) e Rui Costa, que convenceram o presidente da República.

Com a notícia de que a decisão será revista, os papéis da companhia já começaram a se recuperar, mas os embates estão longe do fim, principalmente se o preço do petróleo cair. A entrada da Fazenda na estatal, por meio da indicação do assessor especial de transição energética da Pasta, Rafael Dubeux, ainda não foi assimilada.

Mal foi anunciado o novo conselheiro, demanda de Haddad desde a transição, o ministro da Casa Civil apressou-se a esclarecer que o governo faria uma rotatividade nos integrantes do colegiado. Os focos potenciais de conflito estão na disposição anunciada por Haddad em fazer deste conselheiro agente da transição energética da empresa e nas pressões do setor de gás sobre o portfólio de investimentos da Petrobras.

No ano passado, Silveira antecipou-se ao presidente ao anunciar a disposição do Brasil de entrar na Opep+. Agora o MME acelera o programa de biocombustíveis, de grande interesse do agronegócio, sem que esteja claro como se integrará aos planos da Petrobras para o setor e como a companhia será onerada.

No gás, a encrenca contratada é ainda maior. No início deste governo, foi anunciada a intenção de usar a PPSA, empresa que comercializa o petróleo do pré-sal, para financiar a rede de gasodutos para as térmicas que as distribuidoras privadas conseguiram incluir na lei que privatizou a Eletrobras. A governança da Petrobras barrou.

O principal advogado desta ideia é Efrain Cruz. Ex-diretor da Aneel, ele chegou ao Conselho de Administração com o apoio das distribuidoras de gás, cuja associação se move sob a liderança de Carlos Suarez, da CS Participações. No início deste ano, Efrain pediu renúncia do conselho. Não foi motivada pela relação com as distribuidoras, mas o tema ficou estigmatizado dentro da estatal.

Quem não desistiu dos gasodutos foi o ministro da Casa Civil. Antigo aliado do carlismo na Bahia, Suarez desentendeu-se com ACM Neto durante sua gestão na Prefeitura de Salvador e acabou por apoiar o candidato do PT à sucessão de Rui Costa na Bahia, Jerônimo Rodrigues.

A proximidade com Rui Costa é oposta à relação com Fernando Haddad. Quando prefeito de São Paulo, o ministro cumpriu promessa de campanha e suspendeu a inspeção veicular feita por um consórcio integrado pela CS Participações. Ainda provocou o Ministério Público a investigar a probidade do contrato. A entrada da Fazenda no conselho não deixa dúvidas de que, sobre os interesses deste setor, haverá mais uma lupa. Na melhor das hipóteses evitará que, da Petrobras, venha motivo para Lula repetir a frase lá de cima.

 

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