terça-feira, 12 de março de 2024

Merval Pereira -Interferência indevida

O Globo

A mensagem sub-reptícia é que o governo pretende fazer política pública à custa das grandes empresas nacionais, o que já deu em grande escândalo de corrupção

É preocupante a reação inicial do presidente Lula à sua queda de popularidade. Admitir que está longe de atingir o que prometeu durante a campanha eleitoral é saudável, desde que tenha sangue-frio diante da reversão de expectativa e não queira fazer acenos fáceis ao eleitorado.

A posição sobre os dividendos da Petrobras parece ter esse viés populista, que pode levar tudo de trambolhão. Dizer que a estatal deveria pensar antes no povo do que nos acionistas é o tipo de frase que define bem o que pensa do capitalismo nosso presidente, capaz de afirmar que tem o compromisso de reduzir o preço da gasolina e do diesel para o consumidor, mesmo à custa do prejuízo da Petrobras. Lula não vê motivos para manter o preço alinhado ao mercado internacional, embora seja esse o mercado que a estatal disputa, tendo até acionistas estrangeiros.

A preocupação de Lula com os pobres, que lhe fogem pelos dedos em direção à direita religiosa, é saudável, mas ele não consegue entender que o mercado, em vez de ser uma fera faminta que cobra tudo a seu favor, é um marcador da democracia, essencialmente um instrumento da democracia, como transmissor de informações e expressão da opinião pública.

A queda no valor das ações da Petrobras depois da decisão de não distribuir a integralidade dos dividendos aos acionistas, mesmo que esse dinheiro não possa ser usado para investimentos da estatal devido à Lei das Estatais, é a resposta da opinião pública, pois transparência é tudo quando se trata do funcionamento do mercado. Suspeita-se, portanto, que essa interferência do presidente Lula em questão interna da empresa, que tem ações em Bolsa aqui e no exterior, seja uma mensagem de que o governo continuará tentando ditar a direção não apenas da Petrobras, onde é majoritário, mas até mesmo em estatais já privatizadas, como a Vale.

A mensagem sub-reptícia é que o governo pretende fazer política pública à custa das grandes empresas nacionais, o que já deu em grande escândalo de corrupção. Foi assim também que a Venezuela de Chávez e Maduro quebrou a PDVSA, num país que tem imensa reserva de petróleo e manipulou os preços para distribuir gasolina e diesel baratos para a população.

O Lula deste terceiro mandato difere do Lula do primeiro justamente por essa postura imediatista de busca de resultados, sem pensamento de longo prazo. Apostar no petróleo como futuro, diante da urgência de combustíveis alternativos, é jogar no passado.

É verdade que o momento do governo não é bom, pois o cerco do Congresso se fecha. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deu um recado ao presidente ao dizer que ele deveria ser mais cuidadoso ao tratar de empresas em que é acionista, “compreender seus limites” dentro de um entendimento ético e moral da situação. O movimento para o fim da reeleição, em discussão na Câmara, tem, entre vários outros objetivos, o de esvaziar o poder do Executivo, que, sem ela, perde muita força, mesmo com um mandato estendido para cinco anos.

No último ano, não podendo se recandidatar, o governante perde a força e vira um pato manco, como se diz na gíria política. Com oito anos de mandato, ele tem mais tempo para preparar a sucessão. Não é à toa que Lula já se posicionou contrariamente à proposta, mesmo que ela não o atinja diretamente, pois só poderia entrar em vigor na eleição de 2030. O problema é que a reeleição no Brasil foi muito distorcida desde seu primeiro momento.

Se tivesse sido aprovada para a sucessão do então presidente Fernando Henrique Cardoso, teria começado sem o vício de ter sido feita para beneficiá-lo. Na verdade, o receio era que o Plano Real fosse boicotado em caso de derrota de Fernando Henrique. A manutenção do plano foi um ganho para o país, e talvez isso tenha justificado a reeleição. Mas, a partir daí, passou a ser um trunfo para o incumbente. O governante é eleito já pensando na reeleição, e fica fazendo benesses para garanti-la.

É um hábito cultural que não superamos. Bolsonaro foi eleito em 2018 dizendo-se contra a reeleição e tentou até o golpe para se manter no poder. Lula venceu em 2022 dizendo que era contra a reeleição e agora se coloca contra o fim dela.


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