O Globo
A mensagem sub-reptícia é que o governo
pretende fazer política pública à custa das grandes empresas nacionais, o que
já deu em grande escândalo de corrupção
É preocupante a reação inicial do presidente
Lula à sua queda de popularidade. Admitir que está longe de atingir o que
prometeu durante a campanha eleitoral é saudável, desde que tenha sangue-frio
diante da reversão de expectativa e não queira fazer acenos fáceis ao
eleitorado.
A posição sobre os dividendos da Petrobras parece ter esse viés populista, que pode levar tudo de trambolhão. Dizer que a estatal deveria pensar antes no povo do que nos acionistas é o tipo de frase que define bem o que pensa do capitalismo nosso presidente, capaz de afirmar que tem o compromisso de reduzir o preço da gasolina e do diesel para o consumidor, mesmo à custa do prejuízo da Petrobras. Lula não vê motivos para manter o preço alinhado ao mercado internacional, embora seja esse o mercado que a estatal disputa, tendo até acionistas estrangeiros.
A preocupação de Lula com os pobres, que lhe
fogem pelos dedos em direção à direita religiosa, é saudável, mas ele não
consegue entender que o mercado, em vez de ser uma fera faminta que cobra tudo
a seu favor, é um marcador da democracia, essencialmente um instrumento da
democracia, como transmissor de informações e expressão da opinião pública.
A queda no valor das ações da Petrobras
depois da decisão de não distribuir a integralidade dos dividendos aos
acionistas, mesmo que esse dinheiro não possa ser usado para investimentos da
estatal devido à Lei das Estatais, é a resposta da opinião pública, pois
transparência é tudo quando se trata do funcionamento do mercado. Suspeita-se,
portanto, que essa interferência do presidente Lula em questão interna da
empresa, que tem ações em Bolsa aqui e no exterior, seja uma mensagem de que o
governo continuará tentando ditar a direção não apenas da Petrobras, onde é
majoritário, mas até mesmo em estatais já privatizadas, como a Vale.
A mensagem sub-reptícia é que o governo
pretende fazer política pública à custa das grandes empresas nacionais, o que
já deu em grande escândalo de corrupção. Foi assim também que a Venezuela de
Chávez e Maduro quebrou a PDVSA, num país que tem imensa reserva de petróleo e
manipulou os preços para distribuir gasolina e diesel baratos para a população.
O Lula deste terceiro mandato difere do Lula
do primeiro justamente por essa postura imediatista de busca de resultados, sem
pensamento de longo prazo. Apostar no petróleo como futuro, diante da urgência
de combustíveis alternativos, é jogar no passado.
É verdade que o momento do governo não é bom,
pois o cerco do Congresso se fecha. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
deu um recado ao presidente ao dizer que ele deveria ser mais cuidadoso ao
tratar de empresas em que é acionista, “compreender seus limites” dentro de um
entendimento ético e moral da situação. O movimento para o fim da reeleição, em
discussão na Câmara, tem, entre vários outros objetivos, o de esvaziar o poder
do Executivo, que, sem ela, perde muita força, mesmo com um mandato estendido
para cinco anos.
No último ano, não podendo se recandidatar, o
governante perde a força e vira um pato manco, como se diz na gíria política.
Com oito anos de mandato, ele tem mais tempo para preparar a sucessão. Não é à
toa que Lula já se posicionou contrariamente à proposta, mesmo que ela não o
atinja diretamente, pois só poderia entrar em vigor na eleição de 2030. O
problema é que a reeleição no Brasil foi muito distorcida desde seu primeiro
momento.
Se tivesse sido aprovada para a sucessão do
então presidente Fernando Henrique Cardoso, teria começado sem o vício de ter
sido feita para beneficiá-lo. Na verdade, o receio era que o Plano Real fosse
boicotado em caso de derrota de Fernando Henrique. A manutenção do plano foi um
ganho para o país, e talvez isso tenha justificado a reeleição. Mas, a partir
daí, passou a ser um trunfo para o incumbente. O governante é eleito já
pensando na reeleição, e fica fazendo benesses para garanti-la.
É um hábito cultural que não superamos.
Bolsonaro foi eleito em 2018 dizendo-se contra a reeleição e tentou até o golpe
para se manter no poder. Lula venceu em 2022 dizendo que era contra a reeleição
e agora se coloca contra o fim dela.
É.
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