terça-feira, 26 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Caso Marielle avança após 6 anos do crime

Folha de S. Paulo

Polícia Federal prende três suspeitos de terem mandado matar vereadora; processo criminal, porém, está longe de acabar

São estarrecedoras as conclusões da Polícia Federal no inquérito sobre os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, cometidos com brutalidade em 14 de março de 2018 —ainda que o processo criminal esteja longe de acabar.

De acordo com a PF, o duplo homicídio foi arquitetado por três figuras conhecidas na esfera pública: Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro; seu irmão Chiquinho, deputado federal eleito pela União Brasil-RJ (o partido decidiu expulsá-lo de seus quadros); e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Todos eles foram presos.

Veio do nome de Barbosa a maior surpresa dessa lista. Ao comandar apurações à época do crime, ele manteve relação próxima com a família de Marielle e prometeu ações expeditas para deslindar a trama.

Se for verdade o que afirma a PF, Barbosa fez o contrário. Teria agido para dificultar o trabalho dos investigadores e impedir que os mandantes fossem identificados, o que ajudaria a explicar por que uma violência tão desabrida passou tantos anos impune, para constrangimento da segurança fluminense.

Dadas as características particulares do caso, o assassinato de Marielle mereceu atenção geral desde o princípio. Tratava-se, afinal, de uma vereadora carioca eleita pelo PSOL que, nascida na favela da Maré, combatia a discriminação racial, militava por direitos de mulheres e da comunidade LGBTQIA+ e denunciava ações ilegais de milícias e de setores da polícia.

Nunca houve dúvida, portanto, de que sua morte estivesse ligada à sua atuação política.

A despeito da gravidade do episódio, demorou um ano para serem presos os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados, respectivamente, de efetuar os disparos e dirigir o carro utilizado no ataque.

Ficaram soltas, porém, as pontas relativas aos mandantes. Agora, com base na delação premiada de Lessa, a Polícia Federal acredita ter fechado o caso.

Embora o momento seja de comemoração pelo avanço, convém lembrar que a própria PF, em seu relatório, destaca a escassez de provas diretas sobre as tratativas clandestinas descritas por Lessa. Será frustrante se a Justiça detectar fragilidades na acusação.

Caso se confirmem as conclusões do inquérito, o assassinato de Marielle Franco terá sido sintoma de um problema de segurança muito mais grave —e não se erguerá nenhuma solução duradoura se aos pilares faltarem solidez.

Segurança previdenciária

Folha de S. Paulo

Supremo evita riscos para contas do INSS ao decidir contra revisão da vida toda

Decidiu bem o Supremo Tribunal Federal ao validar a constitucionalidade do fator previdenciário criado pela reforma de 1999, mantendo, assim, os cálculos dos valores das aposentadorias. A corte decidiu contra a chamada revisão da vida toda, que poderia ampliar de modo desmesurado os proventos.

A lei 9.876/99 alterou o cálculo dos benefícios —antes, eram considerados os 36 maiores salários nos 48 meses antes da aposentadoria; a regra foi substituída para os 80% maiores salários durante toda a vida do trabalhador.

Ocorre que também se estabeleceu uma regra de transição para quem já contribuía. Nesse caso, foram excluídos os salários anteriores a julho de 1994, quando houve a troca da moeda para o real.

A controvérsia estava justamente nesse dispositivo. As ações pleiteavam a possibilidade de usar todas as contribuições, conforme versava a nova regra.

Por 7 votos a 4, o STF entendeu que o fator previdenciário é constitucional e assim inviabilizou a possibilidade do cálculo alternativo. Foi alterado o entendimento anterior do tribunal, de 2022, que permitia o cálculo da aposentadoria a partir de todas as contribuições.

A decisão evita impactos para as contas da União —os cálculos variam de R$ 1,5 bilhão, segundo o Instituto de Direito Previdenciário, a até R$ 480 bilhões, cifra que consta do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2025. É muito difícil saber qual seria o custo efetivo para o Tesouro.

Em recursos contra a decisão de 2022, o INSS e a Advocacia-Geral da União (AGU) apontaram grande repercussão para a sustentabilidade das contas públicas e também a complexidade operacional em fazer novos cálculos.

A posição do Supremo elimina o risco de despesas adicionais num sistema já amplamente deficitário.

Nunca é simples lidar com esse tema num país de tantas carências, mas cumpre lembrar que os desembolsos excessivos com a Previdência subtraem recursos de outras prioridades sociais.

Reformas nunca vão cessar, tendo em vista o envelhecimento da população e a necessidade de encontrar fontes de financiamento.

Será necessário, ademais, garantir o custeio das futuras aposentadorias e pensões por morte num mercado de trabalho cada vez menos ancorado em contratos tradicionais regidos pela CLT.

STF deve reforçar proteção à liberdade de informar

O Globo

Corte tem dever de esclarecer de modo inequívoco tese sobre declarações de terceiros em entrevistas

Na turbulenta história da nossa jovem democracia, é digna de nota a defesa intransigente da liberdade de imprensa que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem empreendendo nos últimos 20 anos. A posição firme da nossa Corte constitucional propiciou um ambiente de liberdade de informação e expressão no país, após décadas de incertezas. Nas instâncias inferiores do Poder Judiciário ainda convivemos, ocasionalmente, com decisões que censuram matérias jornalísticas ou buscam silenciar veículos por meio da imposição de pesadas condenações. Mas é preciso reconhecer que tais desvios não têm lugar na Suprema Corte. Sempre que instada, ela coíbe tais anomalias.

Foram muitos os julgamentos que consolidaram esse cenário de segurança jurídica no campo da liberdade de informar, desde a histórica decisão, capitaneada pelo ministro Ayres Britto, que declarou a inconstitucionalidade e jogou no lixo da História a Lei de Imprensa da ditadura militar, passando pelo reconhecimento da liberdade na divulgação de informações biográficas — sempre lembrada pela lapidar frase da ministra Cármen Lúcia, “cala boca já morreu” —, até a acertada decisão de não reconhecer o direito ao esquecimento em matéria jornalística, que teve como relator o ministro Dias Toffoli. Esse posicionamento firme do STF seguramente contribuiu para aproximar o Brasil das democracias mais consolidadas, onde a liberdade de informação é garantia inegociável — algo que não precisa ser recorrentemente discutido.

Recentemente, no entanto, uma decisão causou surpresa e preocupação. No julgamento do pedido de indenização contra um jornal, o Diário de Pernambuco, a que foi atribuída repercussão geral — isso significa que a tese fixada no julgamento se aplicará a todas as demais questões submetidas à Justiça —, o STF decidiu que um veículo pode ser responsabilizado por declarações de um entrevistado, ainda que não as tenha corroborado. A redação da tese que consolida esse entendimento é uma colagem das diversas sugestões apresentadas pelos ministros durante o julgamento. Como ocorre com frequência com textos produzidos por diversas mãos, a tese é confusa e deixa margem a diversas interpretações.

Está prevista na tese a responsabilização do veículo e até a remoção de conteúdo “por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”. A mesma tese, tratando especificamente da publicação de entrevista em que o entrevistado “imputa falsamente crime a terceiro”, como parece ter ocorrido no caso do Diário de Pernambuco, prevê que a empresa jornalística somente será responsabilizada se à época da divulgação “havia indícios concretos da falsidade” (das afirmações do entrevistado) e se o veículo tiver deixado de “observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos”.

A redação da nova tese deve ser analisada em seu contexto — a firme jurisprudência do STF em favor da liberdade de expressão. Em que pesem a confusão do texto e o uso de termos de definição imprecisa, que podem dar margem a interpretações equivocadas, nada indica que o STF abandonará sua posição de firme defensor da liberdade de informar. As hipóteses de responsabilização dos veículos nos julgamentos da Corte, salvo engano, continuarão a se limitar aos casos de dolo na divulgação de notícias (sabidamente) falsas ou, quando menos, se houver culpa grave: se o veículo for manifestamente negligente na apuração de fatos que estavam ao seu alcance e, ainda assim, excetuadas as entrevistas ao vivo, para as quais é impossível qualquer apuração prévia à publicação.

Se assim não fosse, a nova tese poderia provocar um efeito silenciador nos veículos de comunicação, por receio das consequências jurídicas da publicação de entrevistas, criando desincentivo à divulgação de informações do interesse da sociedade, especialmente em matérias sensíveis e naquelas em que são contrariados interesses poderosos, que devem receber maior atenção de uma imprensa livre. Não é isso que prevê a Constituição Federal nos diversos dispositivos em que garante plena liberdade de informação.

Preocupadas com o risco de retrocesso, muitas entidades defensoras da liberdade de informar advogam a necessidade de reformar a tese recém-fixada pelo STF em benefício da segurança jurídica. Nos embargos de declaração impetrados por elas, ou de qualquer outra maneira que o tribunal julgue processualmente adequada, o STF tem o dever de, minuciosamente, esclarecer a tese de tal modo que os temores de cerceamento da liberdade de imprensa sejam afastados em definitivo.

Essa postura é essencial para que, em todas as suas instâncias e nos mais remotos rincões do país, os integrantes do Poder Judiciário saibam que nossa mais alta Corte continua sendo uma garantidora intransigente da liberdade de informar, a que todos os veículos e cidadãos sempre poderão recorrer contra decisões que cerceiem seus direitos de informar e de ser informados. Espera-se que o STF mantenha sua jurisprudência em defesa da liberdade de informação, uma das pedras fundamentais da democracia em qualquer país civilizado, emitindo sinais inequívocos que alcancem cada pequena comarca deste país em que exista um veículo de imprensa cumprindo seu dever de informar a sociedade. Esse é o único caminho compatível com a Constituição, e só assim evitaremos que o país se encontre, mais uma vez, à mercê dos “guardas da esquina”.

O Rio de joelhos para o crime

O Estado de S. Paulo

Deslinde do caso Marielle Franco expôs um Estado carcomido, indissociável do crime organizado por sua captura por agentes públicos que deveriam zelar pelo bem da sociedade, e não traí-la

O País agora sabe, após uma angustiante espera de mais de seis anos, sobre quem, afinal, recai a gravíssima suspeita de ter ordenado a morte da vereadora carioca Marielle Franco e por qual motivo. O que foi anunciado oficialmente pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, na tarde do domingo passado, é simplesmente assustador. Revelou-se um Estado a serviço do crime organizado. Ou uma organização criminosa que sequestrou o Estado para a consecução de seus objetivos espúrios.

A Polícia Federal (PF), informou o ministro, concluiu que os “idealizadores” do crime foram o deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão. O “planejador”, ainda segundo a PF, foi o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense, ninguém menos que o principal responsável pela investigação do caso na esfera estadual – âmbito apropriado, em condições normais, para a condução do inquérito à luz da Constituição.

O deslinde do caso Marielle expôs o Rio como um Estado carcomido em sua estrutura por um consórcio delinquente formado por políticos de variadas afiliações, policiais civis e militares e, claro, milicianos. Tal é o grau de penetração desses criminosos no aparato estatal que, hoje, é impossível dissociar a política no Estado dos interesses econômicos das próprias organizações criminosas, que operam como uma verdadeira máfia. O que se viu, agora com contornos mais nítidos, é um Rio sequestrado por agentes públicos que deveriam zelar pelo bem da sociedade, e não traí-la.

O fato de uma parlamentar ter sido brutalmente assassinada em pleno exercício do mandato – em atentado que também matou seu motorista, Anderson Gomes, e feriu sua assessora, Fernanda Chaves – já era chocante por si só. Mas, como se isso não bastasse, ao longo das quase 500 páginas do relatório final da PF, desfiou-se uma teia criminosa que se espraiou por múltiplas esferas da política no Estado do Rio. Ao que tudo indica, Marielle e Anderson foram vítimas circunstanciais de um grupo político associado a policiais e milicianos que pretendia demonstrar, sem qualquer sutileza, que fim estaria reservado a todos os que ousassem atravessar seu caminho.

A PF foi clara ao afirmar que a elucidação da morte da vereadora Marielle Franco pode ser o ponto de partida para a conclusão de uma série de outras investigações sobre o submundo da política no Rio. Como muito bem destacou a pesquisadora Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV-RJ, é preciso “parar de dizer que o crime organizado é um poder paralelo” no Estado. De fato, a política fluminense, salvo honrosas e corajosas exceções, parece estar umbilicalmente ligada aos interesses das milícias, que, como se viu pelas investigações da PF, extrapolaram as fronteiras do Estado e já se fazem representar até mesmo no Congresso Nacional.

Nesse sentido, e até pelo histórico de suspeitas que já recaíam sobre os irmãos Brazão, não chega a ser surpreendente a implicação de ambos no caso Marielle. Já a participação direta do delegado Rivaldo Barbosa, como indica a PF, no “planejamento” da ação levada a cabo pelos executores Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, ao contrário, é um choque. Não só pela frieza de Barbosa, que chegou a consolar a família de Marielle poucas horas após seu assassinato, mas, principalmente, por se tratar, à época dos fatos, do principal servidor público com a missão de livrar a sociedade da mesma organização criminosa da qual ele ora é suspeito de pertencer.

A serem comprovados os indícios de autoria e materialidade apresentados contra ele pela PF, o delegado Rivaldo Barbosa teria colocado a Polícia Civil do Rio à disposição de milicianos, bicheiros e políticos dispostos a pagar caro por sua deliberada omissão funcional, deixando a sociedade fluminense à mercê de seus piores algozes. Caríssimo, portanto, deve ser o preço a ser pago agora por cada um desses traidores do múnus público.

Sangue russo, combustível de Putin

O Estado de S. Paulo

Só incompetência ou conivência explicam fracasso da segurança nos atentados jihadistas. Seja como for, Putin já capitaliza a tragédia para intensificar seus crimes dentro e fora da Rússia

O massacre em um show de rock em Moscou que deixou mais de 130 mortos expôs dois grandes riscos à segurança global: primeiro, a ressurgência do grupo terrorista Estado Islâmico (EI); segundo, a combinação de negligência e oportunismo do regime terrorista de Vladimir Putin.

O grupo EI-K (da Província de Khorasan) assumiu a autoria. A milícia baseada no Afeganistão compete com o Talebã e a Al Qaeda pela supremacia jihadista, e em janeiro matou mais de 100 pessoas em atentados a bomba no Irã. Uma das fontes de hostilidade contra a Rússia é o apoio do país ao regime de Bashar al-Assad contra o EI e outros rebeldes na Síria.

Há uma massa de imigrantes islâmicos na Rússia herdada das antigas colônias soviéticas na Ásia Central – só do Tajiquistão, país de origem dos quatro suspeitos presos, são cerca de 8 milhões. As distrações com a guerra na Ucrânia, a marginalização e as tensões étnicas fazem dessas populações um óbvio estoque de oportunidades ao recrutamento jihadista.

Putin dispensou publicamente como “desinformação” e “chantagem” alertas dos EUA sobre preparações de um ataque do EI em Moscou. Como tudo em seu regime, os fatos estão envoltos numa nuvem de incertezas que se torna mais espessa a cada comunicado do Kremlin.

Numa das cidades mais patrulhadas do mundo, onde um cidadão pode ser preso em segundos por sussurrar “não à guerra”, como os terroristas conseguiram perpetrar a carnificina por uma hora e escapar num carro? O serviço de segurança alega ter detido os suspeitos perto da fronteira da Ucrânia. Mas, dada a capacidade material e tática necessária para um ataque dessa ordem, qual a plausibilidade dos perpetradores terem planejado sua fuga por uma das fronteiras mais fortificadas do mundo com seus passaportes do Tajiquistão?

Não há alternativa para uma falha dessa magnitude senão incompetência ou conivência. Mesmo as mais exorbitantes teorias da conspiração não podem ser descartadas. Putin já deu mostras de que não tem escrúpulos em derramar sangue estrangeiro ou russo para conquistar seus objetivos criminosos.

Há 25 anos, uma série de atentados a bomba em prédios na Rússia serviu como luva para o então premiê Vladimir Putin detonar uma carnificina na Chechênia como sua principal plataforma de campanha à presidência. Ativistas e pesquisadores reuniram vários indícios de que se tratava de uma operação “bandeira falsa”.

Hoje, para se perpetuar no poder e reconstruir o império russo, Putin precisa fomentar um estado de guerra permanente que crie condições para radicalizar o povo russo, reprimir dissidentes e justificar sua mobilização de recursos. Poucos dias antes do ataque, o Kremlin abandonou o eufemismo “operação militar especial” e passou a se referir à agressão à Ucrânia como um “estado de guerra”. Também deu ordens para alistar dezenas de milhares de russos.

Mesmo se admitindo como hipótese mais plausível que a segurança simplesmente tenha falhado, o ataque foi oportuno para as ambições de Putin e já está sendo oportunistamente explorado. Em seu pronunciamento público, após sumir por 19 horas, Putin não mencionou o EI. Se, em vez de culpar abertamente a Ucrânia, só insinuou uma vaga “conexão” do atentado com Kiev, foi certamente menos por prudência do que por temor de desmoralização ante as informações que a inteligência americana possa revelar.

Grupos de monitoramento cibernético apontaram uma súbita alta na atividade de bots controlados por agências de segurança russas disseminando fake news que culpam a Ucrânia, os EUA e o Reino Unido pelos atentados em Moscou. A hesitação das lideranças ocidentais em fornecer apoio financeiro e militar a Kiev também está criando condições favoráveis para uma nova ofensiva russa no verão.

Em um Estado minimamente democrático e de direito, o presidente pagaria um preço caro pelo sangue russo derramado sob o show de horrores que foi a atuação de suas forças de segurança. No Estado fascista de Putin, este preço será pago com mais repressão doméstica, mais sangue ucraniano e mais ameaças ao Ocidente.

Debandada na Bolsa brasileira

O Estado de S. Paulo

Resultados da interferência indesejada do governo em algumas das principais empresas do País começam a aparecer

A Bolsa de Valores brasileira caminha para fechar o trimestre com o pior desempenho desde a fuga massiva de investidores de 2020, quando o temor sobre os efeitos da epidemia de covid fez o capital estrangeiro sumir dos mercados emergentes. Desta vez, a debandada, causada pelos sinais emitidos por Estados Unidos e China, conta com uma generosa contribuição doméstica, embalada nas demonstrações de interferência do governo Lula da Silva na economia de mercado.

No primeiro trimestre de 2020, o pavor da covid ficou refletido nos R$ 64,3 bilhões que saíram da B3 em busca de mercados de menor risco, fluxo que continuou negativo no início do ano seguinte e somente no primeiro período de 2022 mostrou recuperação. Em 2023, no início do terceiro mandato de Lula, a saraivada de críticas do Planalto à política monetária e à autonomia do Banco Central atiçou a desconfiança do mercado e foi um dos principais motivos de uma nova revoada de investidores internacionais.

Neste ano, já não se trata de simples retórica. Até o dia 20 de março, nada menos que R$ 21,2 bilhões já haviam abandonado os pregões da Bolsa de São Paulo temendo as investidas estatizantes do governo. Está certo que a mudança de expectativas em relação à taxa de juros nos Estados Unidos – que deve sofrer apenas mais três cortes neste ano – atraiu um grande volume de investidores para lá. Também o crescimento chinês abaixo do esperado eleva as dúvidas em relação ao Brasil, que tem na China seu principal mercado. Mas ações recentes de Lula erguem um muro que ameaça bloquear as intenções de investimento no País.

Em sua notória miopia, o governo Lula da Silva pode vir a desdenhar do movimento, alegando tratar-se de capital especulativo, de curto prazo, que foge ao primeiro sinal de perigo. O argumento não é totalmente infundado, mas não justifica renunciar aos investidores que mantêm o vigor do mercado acionário. Enquanto houver retorno e boa remuneração, estes recursos estarão lá para financiar as empresas nacionais e, assim, gerar novos investimentos de longo prazo. É assim que o mercado funciona.

Ao insistir em influenciar em decisões da Vale, uma empresa privada e sem controlador definido, reter dividendos de um lucro extraordinário da Petrobras que deveria ser distribuído a seus investidores e tentar forçar um retorno do Estado ao comando das decisões estratégicas da também privatizada Eletrobras, Lula da Silva espanta o capital. Afinal, o propósito por trás de todas essas ações é sempre o de reunir recursos para arcar com projetos de governo que, na maior parte das vezes, não são do interesse de nenhuma dessas empresas e, muito menos, de seus investidores.

Ao contrário do que pensa Lula, as companhias brasileiras não são obrigadas a se alinhar ao modelo de desenvolvimento do governo, qualquer que seja ele. Cabe ao Estado elaborar – e bancar – políticas públicas para manter o bem-estar e a segurança do cidadão e facilitar as operações empresariais e financeiras. No mais, Lula da Silva ajudaria muito se apenas não atrapalhasse.

Reforma do ensino médio precisa ser concluída logo

Valor Econômico

É essencial que o Senado aprove rapidamente o projeto para que as novas diretrizes nacionais possam entrar em vigor em 2025

Governo e legisladores aplacaram diferenças políticas na semana passada e, finalmente, aprovaram o projeto de lei 5.230/23, que detalha a nova reforma do ensino médio. Com o sinal verde da Câmara dos Deputados, o PL vai agora para o Senado, onde deve ser igualmente aprovado ainda no primeiro semestre para que as redes de escolas tenham tempo de implantar as novas regras já em 2025.

Com um currículo mais flexível e adequado aos tempos atuais, que incorpora os chamados itinerários formativos e abre maior espaço para o ensino técnico profissionalizante, espera-se que a reforma torne o ensino médio mais atraente para o jovem, combata a elevada evasão escolar dessa fase acadêmica e prepare os estudantes para o mercado de trabalho.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada na semana passada pelo IBGE mostrou mais um retrato precário da educação brasileira. Um dos pontos mais críticos é o salto da evasão escolar na entrada no ensino médio. Quando o estudante do último ano do ensino fundamental, geralmente aos 14 anos, passa para a etapa seguinte, a taxa de evasão pula de 6,5% para 15%. Quase 10% da população de 15 a 17 anos, ou quase 700 mil adolescentes, estão fora das salas de aulas. O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que as matrículas no ensino médio sejam equivalentes a 85% da população da faixa etária adequada. Essa taxa está em 75%, segundo o IBGE.

Mas a maior parte dos jovens que estão fora da escola quer concluir a educação básica: 73% deles, de acordo com pesquisa do Datafolha feita para a Fundação Roberto Marinho e o Itaú Educação e Trabalho. Um dos principais problemas apontados pelo jovem para deixar a escola é a necessidade de trabalhar; e 34% disseram que não há escola com vagas em horários compatíveis com a sua disponibilidade onde moram.

Outro achado da pesquisa é o interesse pelo ensino técnico. Dos entrevistados, 77% dos que querem concluir o ensino médio gostariam de cursar o técnico profissionalizante, percentual que chega a 80% no caso das mulheres.

Felizmente esse ponto é endereçado pela nova reforma. Disseminar o ensino técnico já tinha sido um dos objetivos da anterior, de 2017, realizada no governo de Michel Temer. Houve alguma reação inicial contra a ausência de matérias como filosofia e o aumento da carga horária. A pandemia da covid-19 dificultou sua implantação, que começou em 2022.

Com a eleição do governo Lula, a pressão por uma revisão da reforma cresceu até que a execução das regras originais foi suspensa em abril, e um grande debate começou dentro da área da educação do governo e em audiências com a comunidade. Somente ao fim do ano passado o Ministério da Educação de Cultura (MEC) apresentou seu projeto de lei com novas mudanças e regras. Com receio de ver seu projeto derrotado na Câmara, o governo retirou a urgência, manobra criticada pela oposição e que novamente adiou a reforma.

O tema só voltou ao debate na Câmara dos Deputados agora em março, ainda com pontos de divergência, especialmente em relação à carga horária das disciplinas, patrocinados pelo ministro da Cultura, Camilo Santana, e pelo relator do projeto, o deputado Mendonça Filho (União/PE), que era ministro da Educação do governo Temer, quando a reforma anterior foi apresentada.

Ao final chegou-se a um bom meio termo, que mantém a ampliação da carga horária, flexibiliza o currículo com os itinerários formativos e valoriza o ensino técnico profissionalizante. O substitutivo do relator Mendonça Filho manteve o aumento da carga horária da formação geral básica para 2.400 horas, somados nos três anos do ensino médio, acima das 1,8 mil horas atuais, para alunos que não optarem pelo ensino técnico. Para completar a carga total de 3 mil horas nos três anos, os alunos terão de escolher uma área para aprofundar os estudos nas demais 600 horas, escolhendo uma opção entre os itinerários formativos de linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ou ciências humanas e sociais aplicadas.

O quinto itinerário previsto é o técnico profissional, caso em que a formação geral básica será de 1.800 horas. Outras 300 horas da formação geral básica poderão ser destinadas ao aprofundamento de estudos de disciplinas da Base Nacional Comum Curricular diretamente relacionadas à formação técnica profissional oferecida. Outras 900 horas ficarão exclusivamente para as disciplinas do curso técnico escolhido pelo aluno, totalizando assim 3 mil horas.

As escolas deverão oferecer no mínimo dois itinerários formativos de áreas diferentes. O projeto estabelece que as diretrizes curriculares dos itinerários formativos serão definidas pelo MEC. Uma das queixas ao projeto de 2017 era deixar nas mãos das redes a definição dos itinerários formativos, que chegaram a somar 33, número considerado um excesso de diversificação e fonte de desigualdade.

É essencial que o Senado aprove rapidamente o projeto para que as novas diretrizes nacionais possam entrar em vigor no ano que vem. A educação precisa recuperar o tempo perdido e superar gargalos crônicos.

Caso Marielle e combate ao crime

Correio Braziliense

O envolvimento de um conselheiro do Tribunal de Contas Estadual, de um deputado federal e de um delegado de polícia é indício grave do grau de promiscuidade entre o poder público e o crime organizado no Rio de Janeiro

A prisão de três agentes públicos suspeitos de tramar a morte da então vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes representa passo significativo de uma investigação que se arrastava por seis anos. Desde o brutal assassinato, a pergunta "Quem mandou matar Marielle?" vinha acompanhada de uma sensação — constrangedora para alguns, revoltante para muitos — de que esse caso, como tantos outros, se perderia no caminho da impunidade.

Tão reveladora quanto a prisão dos suspeitos é a constatação de que foram necessários seis anos — e a entrada da Polícia Federal na investigação — para que o duplo homicídio caminhasse para o esclarecimento. É ingenuidade acreditar que o acobertamento de um assassinato — um crime político, diga-se — tenha ficado tanto tempo nas sombras sem a cumplicidade de figuras poderosas da política fluminense — e não se está falando apenas dos três encarcerados no fim de semana. As investigações em curso precisam ir a fundo a fim de desvendar por completo a teia criminosa que planejou a execução e manteve a autoria desconhecida por tantos anos. O envolvimento de um conselheiro do Tribunal de Contas Estadual, de um deputado federal e de um delegado de polícia é indício grave do grau de promiscuidade entre o poder público e o crime organizado no Rio de Janeiro. É certo que aparecerão outros ilícitos a serem investigados e combatidos.

Ontem, em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes comentou as prisões. Considerou o episódio uma "janela de oportunidade" para tratar de temas urgentes e relevantes, como o enfrentamento coordenado do crime organizado e a reforma das polícias. "Se tendo esse tipo de notícia, do envolvimento da polícia com o crime organizado, parte da polícia, obviamente isso é algo extremamente grave. É preciso pensar numa refundação dessas instituições. É preciso tomar as medidas necessárias".

Ao relatar as operações realizadas no domingo, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, descreveu o nível de simbiose entre criminosos e membros de instituições que deveriam, em primeiro lugar e acima de tudo, atuar em conformidade com a lei. "A gente não pode dizer que houve um único e exclusivo fato (para a morte de Marielle). Envolve a questão de milícia, de disputa de território, de regularização de loteamentos, empreendimentos. E que, naquele contexto, havia um cenário de disputa, que culminou neste bárbaro assassinato", descreveu.

Ministro aposentado do STF e titular da Justiça no governo Lula, Ricardo Lewandowski espera desvendar outros ilícitos cometidos pelo grupo de contraventores que há anos impõe a violência e a corrupção no Rio de Janeiro, com consequências nefastas para uma das cidades mais importantes do país. E destacou que as prisões constituem uma "vitória do Estado contra a criminalidade organizada".

O trabalho da Polícia Federal na elucidação da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes significa, com efeito, uma resposta da lei a um estado de criminalidade que sufoca a vida pública do Rio de Janeiro. Sinaliza, porém, que uma ação coordenada de União, estados e municípios se faz cada vez mais necessária, em razão da poderio adquirido pelas organizações criminosas. O envolvimento cada vez mais evidente de agentes públicos no caso Marielle indica que esse processo de descontaminação será lento e difícil, mas absolutamente incontornável.


 

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