O Globo
O Rio de Janeiro pode ser o projeto-piloto para uma força-tarefa de combate ao crime organizado
É crescente a sensação de que o momento
social e político que permitiu a revelação dos mandantes do assassinato da
vereadora Marielle Franco abriu uma brecha no muro de silêncio que os blindava,
permitindo aprofundar as investigações sobre o conluio entre políticos,
policiais e bandidos no submundo do crime do Rio de Janeiro.
Esse, no entanto, não é um problema apenas do
Rio, mas uma chaga nacional, que precisa ser atacada para neutralizar a
influência do crime organizado nas instituições federais. Como a situação do
Rio é mais aguda, especialmente no momento em que ficou escancarada a ação
criminosa no aparato institucional, seria importante aproveitar essa vitória do
Estado de Direito para ir adiante na desarticulação.
O Ministério da Segurança Pública, que infelizmente não foi retomado pelo governo Lula, deveria ser o ponto de partida das mudanças estruturais necessárias para que a questão, que se tornou incontornável para o Estado brasileiro, seja enfrentada devidamente. Os três centros de custo do Estado são justamente saúde, educação e segurança, e apenas os dois primeiros têm um piso constitucional de financiamento, enquanto a segurança, quando vem a crise financeira do Estado, não tendo essa proteção, nem mesmo uma definição de tarefas em nível nacional, acaba irremediavelmente afetada.
Ao separar a segurança nacional da segurança
pública, a Constituição de 1988 quis alterar a visão implantada pelo regime
militar, mas, como efeito colateral, colocou sob a responsabilidade dos estados
a segurança pública, sem a contrapartida financeira que permitisse que pelo
menos os municípios, as capitais, os grandes centros urbanos, onde o crime se
instala e se desenvolve, pudessem enfrentar a crise que hoje vivenciamos.
Não há na Constituição um papel para as
cidades na política de segurança, e é lá que estão os centros de crack, as ruas
mal iluminadas que propiciam o crime e outras situações comunitárias que exigem
proteção e podem ajudar no combate ao crime, como muito bem lembrou o
ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann numa entrevista no domingo na
GloboNews.
A situação já apontava para a necessidade de
centralização do combate ao crime organizado no primeiro governo Lula, tanto
que foi criada ali uma secretaria extraordinária ligada ao gabinete
presidencial para tratar do assunto. Questões políticas inviabilizaram sua
continuidade, e voltou-se à posição de “proteger” o presidente da República da
contaminação, para que tarefa tão delicada e de longo prazo não o afetasse.
A União ficou com responsabilidades
residuais, conceito completamente ultrapassado, pois o crime se nacionalizou e
se transnacionalizou. Temos um sistema penal para a segurança pública que
abrange quatro etapas: policial, Ministério Público, Judiciário e carcerário.
Só que esses sistemas não se comunicam, têm velocidades absolutamente diversas,
daí termos milhares de pessoas nas prisões sem nem ser julgadas.
O sistema carcerário é imenso e ineficaz,
pois controlado por cerca de 70 facções criminosas, e é justamente esse espaço
que o crime domina. O combate à criminalidade no Brasil carece de um mínimo de
integração e de parâmetros. Jungmann, em artigo sobre o tema, sugeriu medidas
que garantam a presença do Estado em todas as comunidades, sobretudo na área
social, a fim de apoiar o contínuo trabalho das forças de segurança e o pleno
exercício da cidadania.
O objetivo seria implantar um grande programa
nacional, com reorganização das forças de segurança estaduais, controle dos
presídios pelas autoridades locais, uma Força Nacional de Segurança Pública
permanente e bem treinada em ação e as Forças Armadas atuando nas fronteiras de
maneira eficiente para coibir o tráfico de armas e drogas, crimes federais,
como questão de segurança nacional. O Rio de Janeiro pode ser o projeto-piloto
para uma força-tarefa de combate ao crime organizado.
Concordo.
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