sexta-feira, 15 de março de 2024

Rogério Furquim Werneck - Discurso torto, sinais errados

O Globo

A ingerência política que o Planalto vem tentando fazer na Vale e na Petrobras exacerba incertezas na economia

Há boas razões para festejar o crescimento de 2,9% da economia no ano passado. Mas tal desempenho encerra uma fragilidade preocupante. O investimento agregado — a formação bruta de capital fixo — desabou 3% em 2023. O país investiu só 16,5% do PIB no ano passado.

Mobilizado com as eleições municipais e a cada dia mais fixado no projeto da reeleição, o governo deveria estar empenhado em reverter essa queda do investimento e transformar a formação de capital no motor da expansão da economia.

Não é o que se tem visto. De um lado, o governo optou por uma expansão desmesurada de gastos, que dará lugar a um salto de mais de 10 pontos percentuais na dívida pública como proporção do PIB. E condenará a economia a ter de continuar a conviver com taxas reais de juros muito altas, que comprometerão boa parte das oportunidades de investimento com que conta o país.

De outro, o Planalto não consegue deixar de insistir em um discurso econômico arcaico e torto, que continua a amplificar as incertezas que já cercam decisões de investimento no Brasil.

Tem recebido menos atenção do que merece a entrevista concedida pelo presidente Lula da Silva à RedeTV, em 27/2, disponível na internet. No trecho relevante para o que aqui se argui, já nos 12 minutos finais, o presidente é instado a avaliar a relação do governo com a Vale.

Lula não deixa margem a dúvidas sobre sua profunda irritação com a empresa. E termina por externar a essência do que lhe irrita. “O que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro.”

O telespectador não teve como não entender o que essa frase tão desconcertante podia significar, porque, na entrevista, tal declaração foi precedida do relato, pelo próprio presidente, de um episódio concreto que não deixou margem a dúvidas sobre o que ele tinha em mente.

Lula rememorou sua indignação, em 2011, já no governo Dilma Rousseff, com a decisão da Vale de importar da China grandes navios graneleiros, de 400 mil toneladas, quando “a gente estava tentando reconstruir a indústria naval brasileira.” A empresa era então presidida por Roger Agnelli. “Tiramos ele”, bravateou Lula. Na época, a Vale já estava privatizada por 14 anos.

É difícil que qualquer empresário, minimamente familiarizado com o que ocorreu no governo Dilma e com seu estapafúrdio e desastroso programa de reconstrução da indústria naval, não fique estupefato com a forma desentendida com que, 13 anos depois, o presidente ainda se permite vangloriar-se do papel que desempenhou nesse lamentável episódio, como se nada tivesse acontecido desde então.

Imerso no negacionismo, Lula continua incapaz de extrair lições elementares dos erros colossais de política econômica perpetrados por governos petistas.

Tampouco haverá empresário que não se horrorize com o pesadelo por que teria passado, ao longo dos últimos 13 anos, caso tivesse sido obrigado a gerir sua empresa “de acordo com o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”.

Não tendo conseguido emplacar Guido Mantega na presidência da Vale, o Planalto partiu para o bloqueio da recondução do atual CEO da companhia. O governo já não tem a posição acionária que tinha em 2011, quando exigiu que Roger Agnelli fosse “tirado”.

O que lhe resta é recorrer a uma participação de 8,7% das ações detida pela Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.

Não chega a ser uma posição acionária que, por si só, lhe permita tumultuar a governança da empresa, a menos, claro, que o Planalto se disponha a recorrer a todos os meios a seu alcance para, como em 2011, fazer valer seu peso junto a acionistas privados mais suscetíveis às suas pressões.

O governo parece não ter a menor ideia de quão danosa, para a percepção de risco de investimento no país, vem sendo sua ingerência na Vale. E agora também na Petrobras, que passou a ser ostensivamente gerida do Palácio do Planalto. Outro capítulo deplorável da mesma história.

 

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