O Globo
A ingerência política que o Planalto vem tentando fazer na Vale e na Petrobras exacerba incertezas na economia
Há boas razões para festejar o crescimento de
2,9% da economia no ano passado. Mas tal desempenho encerra uma fragilidade
preocupante. O investimento agregado — a formação bruta de capital fixo —
desabou 3% em 2023. O país investiu só 16,5% do PIB no ano passado.
Mobilizado com as eleições municipais e a
cada dia mais fixado no projeto da reeleição, o governo deveria estar empenhado
em reverter essa queda do investimento e transformar a formação de capital no
motor da expansão da economia.
Não é o que se tem visto. De um lado, o governo optou por uma expansão desmesurada de gastos, que dará lugar a um salto de mais de 10 pontos percentuais na dívida pública como proporção do PIB. E condenará a economia a ter de continuar a conviver com taxas reais de juros muito altas, que comprometerão boa parte das oportunidades de investimento com que conta o país.
De outro, o Planalto não consegue deixar de
insistir em um discurso econômico arcaico e torto, que continua a amplificar as
incertezas que já cercam decisões de investimento no Brasil.
Tem recebido menos atenção do que merece a
entrevista concedida pelo presidente Lula da Silva à RedeTV, em 27/2,
disponível na internet. No trecho relevante para o que aqui se argui, já nos 12
minutos finais, o presidente é instado a avaliar a relação do governo com a
Vale.
Lula não deixa margem a dúvidas sobre sua
profunda irritação com a empresa. E termina por externar a essência do que lhe
irrita. “O que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam
estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo
brasileiro.”
O telespectador não teve como não entender o
que essa frase tão desconcertante podia significar, porque, na entrevista, tal
declaração foi precedida do relato, pelo próprio presidente, de um episódio
concreto que não deixou margem a dúvidas sobre o que ele tinha em mente.
Lula rememorou sua indignação, em 2011, já no
governo Dilma Rousseff, com a decisão da Vale de importar da China grandes
navios graneleiros, de 400 mil toneladas, quando “a gente estava tentando
reconstruir a indústria naval brasileira.” A empresa era então presidida por
Roger Agnelli. “Tiramos ele”, bravateou Lula. Na época, a Vale já estava
privatizada por 14 anos.
É difícil que qualquer empresário,
minimamente familiarizado com o que ocorreu no governo Dilma e com seu
estapafúrdio e desastroso programa de reconstrução da indústria naval, não
fique estupefato com a forma desentendida com que, 13 anos depois, o presidente
ainda se permite vangloriar-se do papel que desempenhou nesse lamentável
episódio, como se nada tivesse acontecido desde então.
Imerso no negacionismo, Lula continua incapaz
de extrair lições elementares dos erros colossais de política econômica
perpetrados por governos petistas.
Tampouco haverá empresário que não se
horrorize com o pesadelo por que teria passado, ao longo dos últimos 13 anos,
caso tivesse sido obrigado a gerir sua empresa “de acordo com o pensamento de
desenvolvimento do governo brasileiro”.
Não tendo conseguido emplacar Guido Mantega
na presidência da Vale, o Planalto partiu para o bloqueio da recondução do
atual CEO da companhia. O governo já não tem a posição acionária que tinha em
2011, quando exigiu que Roger Agnelli fosse “tirado”.
O que lhe resta é recorrer a uma participação
de 8,7% das ações detida pela Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco
do Brasil.
Não chega a ser uma posição acionária que,
por si só, lhe permita tumultuar a governança da empresa, a menos, claro, que o
Planalto se disponha a recorrer a todos os meios a seu alcance para, como em
2011, fazer valer seu peso junto a acionistas privados mais suscetíveis às suas
pressões.
O governo parece não ter a menor ideia de
quão danosa, para a percepção de risco de investimento no país, vem sendo sua
ingerência na Vale. E agora também na Petrobras, que passou a ser
ostensivamente gerida do Palácio do Planalto. Outro capítulo deplorável da
mesma história.
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