sexta-feira, 22 de março de 2024

Vera Magalhães - Governo derrapa em decifrar eleitor-esfinge

O Globo

A percepção a respeito do governo parece sofrer com uma desconfiança geral a respeito de qual o projeto de Lula para o país

Lula começou a semana cobrando que seus ministros entreguem e falem mais, admitindo que o governo está perdendo a batalha da comunicação, sobretudo no ambiente digital, mas ontem resolveu se lembrar de um antigo culpado de sempre quando qualquer governante enfrenta problemas de popularidade: a imprensa.

Se alguma crítica pode ser feita ao jornalismo na gestão Lula 3 é a oposta: os arroubos golpistas de Jair Bolsonaro, os ataques sistemáticos do ex-presidente e de seus apoiadores à imprensa, à ciência, à cultura, ao meio ambiente e aos direitos humanos, entre outros, talvez tenham feito a cobrança aos novos ocupantes do poder demorar mais e adotar um tom bem mais ameno que em governos anteriores, de diversos partidos, inclusive do próprio PT.

Para além de ironizar a “gloriosa imprensa democrática”, portanto, caberia ao presidente entender o que os números das pesquisas mostram. Só a comunicação ineficaz não parece dar conta de explicar por que aqueles que aprovam e os que repelem o governo Lula são em praticamente igual número, uma vez que a economia —que costuma ser o principal vetor de humor da população — vai bem como há anos não ia.

Sem desatar esse nó, não adiantará o presidente viajar o país, anunciar obras e colocar os ministros para dar entrevistas a torto e a direito. A percepção a respeito do governo parece sofrer de uma desconfiança geral a respeito de qual o projeto de Lula para o país.

Isso porque um contingente não desprezível de eleitores que nunca votaram no PT — ou que votaram no passado, mas tinham rompido com Lula e o partido em razão de denúncias de corrupção ou do desastre econômico de Dilma Rousseff — optou por Lula em 2022 para evitar a reeleição de Bolsonaro.

É nesse grupo que o presidente perde popularidade. Trata-se de um eleitor-pêndulo, que fez o L há dois anos, mas não hesitará se aparecer um nome de centro-direita que não seja Bolsonaro em 2026. Parte desse grupo, das regiões Sul e Sudeste e das classes sociais mais elevadas, é sensível a temas como a defesa da Venezuela, de gastos públicos a granel (associada ao convite à corrupção e ao desajuste fiscal) e de intervenção em empresas públicas, como a Petrobras, ou privadas, como a Vale.

Mas há outros estratos da população que parecem se dissociar de Lula. A queda em sua avaliação junto aos evangélicos, aos mais pobres e até no Nordeste, onde foi amplamente vencedor, parece estar mais ligada a fatores como a segurança pública, enigma que o governo e o PT parecem longe de decifrar, e outros temas que afetam o dia a dia, como a alta no preço dos alimentos e a epidemia de dengue.

Para solucionar esses problemas, a máquina do governo tem de estar azeitada. Reuniões como a de segunda-feira, se feitas sistematicamente e com estabelecimento de metas claras, ajudam nisso.

Mas a superação do mau momento da avaliação de Lula, justamente quando Bolsonaro vive sua descida ao inferno judicial, dependeria de uma opção de fundo do presidente: ele ainda pretende fazer um governo de frente ampla, que o coloque como opção mais viável para um eleitorado que não é petista e não morre de amores por Nicolás Maduro?

Nesse grupo cabem tanto os que precisam que o governo melhore sua vida, em vez de ser um entrave (e aqui entram economia, saúde, educação e segurança), quanto os que veem a defesa da democracia como fator inegociável — e que se sentem feitos de palhaços quando o Itamaraty ou o PT louvam o “processo democrático” da enésima eleição de Vladimir Putin na Rússia, para ficar na contradição mais recente.

Dar um rolê nas asas da FAB e aumentar o número de entrevistas não resolve essas idiossincrasias, porque elas derivam da visão de mundo que Lula sempre teve e das demandas de um eleitorado-esfinge, que, se não for decifrado a tempo por ele e por seus ministros, poderá devorá-lo lá na frente.

 

Um comentário: