O Globo
A percepção a respeito do governo parece sofrer com uma desconfiança geral a respeito de qual o projeto de Lula para o país
Lula começou a semana cobrando que seus
ministros entreguem e falem mais, admitindo que o governo está perdendo a
batalha da comunicação, sobretudo no ambiente digital, mas ontem resolveu se
lembrar de um antigo culpado de sempre quando qualquer governante enfrenta
problemas de popularidade: a imprensa.
Se alguma crítica pode ser feita ao
jornalismo na gestão Lula 3 é a oposta: os arroubos golpistas de Jair
Bolsonaro, os ataques sistemáticos do ex-presidente e de seus apoiadores à
imprensa, à ciência, à cultura, ao meio ambiente e aos direitos humanos, entre
outros, talvez tenham feito a cobrança aos novos ocupantes do poder demorar
mais e adotar um tom bem mais ameno que em governos anteriores, de diversos
partidos, inclusive do próprio PT.
Para além de ironizar a “gloriosa imprensa democrática”, portanto, caberia ao presidente entender o que os números das pesquisas mostram. Só a comunicação ineficaz não parece dar conta de explicar por que aqueles que aprovam e os que repelem o governo Lula são em praticamente igual número, uma vez que a economia —que costuma ser o principal vetor de humor da população — vai bem como há anos não ia.
Sem desatar esse nó, não adiantará o
presidente viajar o país, anunciar obras e colocar os ministros para dar
entrevistas a torto e a direito. A percepção a respeito do governo parece
sofrer de uma desconfiança geral a respeito de qual o projeto de Lula para o
país.
Isso porque um contingente não desprezível de
eleitores que nunca votaram no PT — ou que votaram no passado, mas tinham
rompido com Lula e o partido em razão de denúncias de corrupção ou do desastre
econômico de Dilma Rousseff — optou por Lula em 2022 para evitar a reeleição de
Bolsonaro.
É nesse grupo que o presidente perde
popularidade. Trata-se de um eleitor-pêndulo, que fez o L há dois anos, mas não
hesitará se aparecer um nome de centro-direita que não seja Bolsonaro em 2026.
Parte desse grupo, das regiões Sul e Sudeste e das classes sociais mais
elevadas, é sensível a temas como a defesa da Venezuela, de gastos públicos a
granel (associada ao convite à corrupção e ao desajuste fiscal) e de
intervenção em empresas públicas, como a Petrobras, ou privadas, como a Vale.
Mas há outros estratos da população que
parecem se dissociar de Lula. A queda em sua avaliação junto aos evangélicos,
aos mais pobres e até no Nordeste, onde foi amplamente vencedor, parece estar
mais ligada a fatores como a segurança pública, enigma que o governo e o PT
parecem longe de decifrar, e outros temas que afetam o dia a dia, como a alta
no preço dos alimentos e a epidemia de dengue.
Para solucionar esses problemas, a máquina do
governo tem de estar azeitada. Reuniões como a de segunda-feira, se feitas
sistematicamente e com estabelecimento de metas claras, ajudam nisso.
Mas a superação do mau momento da avaliação
de Lula, justamente quando Bolsonaro vive sua descida ao inferno judicial,
dependeria de uma opção de fundo do presidente: ele ainda pretende fazer um
governo de frente ampla, que o coloque como opção mais viável para um
eleitorado que não é petista e não morre de amores por Nicolás Maduro?
Nesse grupo cabem tanto os que precisam que o
governo melhore sua vida, em vez de ser um entrave (e aqui entram economia,
saúde, educação e segurança), quanto os que veem a defesa da democracia como
fator inegociável — e que se sentem feitos de palhaços quando o Itamaraty ou o
PT louvam o “processo democrático” da enésima eleição de Vladimir Putin na
Rússia, para ficar na contradição mais recente.
Dar um rolê nas asas da FAB e aumentar o
número de entrevistas não resolve essas idiossincrasias, porque elas derivam da
visão de mundo que Lula sempre teve e das demandas de um eleitorado-esfinge,
que, se não for decifrado a tempo por ele e por seus ministros, poderá
devorá-lo lá na frente.
Vera sabe das coisas.
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