Folha de S. Paulo
Governo estuda medidas para baratear
alimentos, mas problema pode estar em outro lugar
O presidente da República e ministros fizeram
questão de dizer nesta quinta-feira (14) que vão tomar providências
a fim de diminuir o preço da comida. Tudo bem. Vai ser bom se aparecerem
com medidas inteligentes e práticas.
É política básica, quando não necessária,
demonstrar que o governo se ocupa de um assunto obviamente importante e que,
talvez, seja um motivo da queda de popularidade de Luiz Inácio Lula da
Silva, mesmo que menor.
Difícil é cravar que as altas de preços do final do ano até agora sejam o motivo da piora do prestígio de Lula. Difícil também fazer algo prestante no curto prazo.
Ao menos nas pesquisas Quaest e Ipec, o
grosso da perda
de popularidade de Lula ocorreu entre setembro e o final do ano. Há algum
outro gato nessa tuba.
Houve alta importante nos preços da comida
neste ano, sim, embora a inflação dos
alimentos ("alimentação no
domicílio") desde o início do governo Lula até fevereiro passado tenha
sido de 2,4%, ante 5,9% da inflação média, do IPCA.
Na média, sob Lula, o preço médio da comida
aumentou bem menos do que o valor médio dos salários.
O preço dos alimentos deu alguns saltos
recentes por causa de tempo ruim no Sul e no Centro-Oeste. Ainda assim. O
problema é que a comida está cara faz tempo, considerada a variação dos
salários, o que não vai mudar tão cedo, mesmo com providências inteligentes e
ajuda dos céus (chuva e temperatura).
Desde janeiro de 2020, pouco antes da
epidemia, até janeiro deste ano, a comida que se compra e se leva para casa
("alimentação no domicílio", no dizer do IBGE), aumentou em média
46,6%.
O salário nominal cresceu em média 31,1%.
Tirar essa diferença vai levar tempo —anos de aumento de salário e contenção de
preços do que se come.
É certo que preços de alimentos essenciais
aumentaram muito recentemente. Desde janeiro de 2023, o arroz ficou em média
37,4% mais caro. O feijão preto, 26,7%. No entanto, o grupo de farinhas, massas
e macarrão ficou apenas 1% mais caro. O de carnes caiu quase 10%; aves e ovos,
baixa de uns 5%.
Da reunião de Lula saiu que se vai fazer algo
a fim de melhorar a oferta de crédito rural, usar contratos futuros para tentar
evitar variações excessivas de preços e um vago algo mais.
Ainda que se faça algo inteligente, nada vai
fazer efeito tão cedo. Talvez no ano que vem e olhe lá, se o tempo por aqui e
no restante do mundo ajudar.
Lula não pode fazer chover, conter chuva
excessiva ou moderar o calor, fatores que provocaram perdas nesta safra
2023/2024. Seu governo pode inventar sistemas de seguro rural mais eficientes,
refinar a oferta de crédito, pensar o que se passa na área plantada de cada
produto. Mas não vai ter milagre.
Falta mais crescimento de PIB e de salário,
recuperar o prejuízo de uma década.
O risco óbvio é "partir para
ignorância". Tomar medidas erradas ou contraproducentes, não apenas na
política agrícola.
Por exemplo, querer bulir com taxas de juros de
bancos públicos (com o que bancos privados talvez não emprestem relativamente
mais e ainda "empurrem" clientes problemáticos para bancos estatais).
Em suma, inventar intervenções ineptas.
Pior ainda, o governo pode largar chumbo
grosso em alvos errados. A popularidade em baixa pode se dever à política. Há
noticiário ruim: o governo escorrega em bananas que ele mesmo jogou na calçada.
Pode haver uma nova onda de campanhas
virtuais da oposição ou da ultradireita a respeito de assuntos como drogas e
crime ou sabe-se lá o que circule por esse mundo. O conflito pelas redes
sociais e de mensagens é permanente, vem em ondas como o mar, agora em um indo
e vindo infinito de alta frequência.
O lugar da política mudou muito e
frequentemente nem sabemos onde fica e o que passa por lá.
Verdade.
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