sexta-feira, 15 de março de 2024

André Roncaglia* - A mão pesada do Estado é do que a Petrobras precisa agora

Folha de S. Paulo

Priorização do acionista minoritário não é cláusula pétrea da governança corporativa

Petrobras está sob nova gestão e o mercado financeiro luta para manter sua "vaca leiteira". A decisão do Conselho de Administração da empresa de reter lucros excedentes à regra de distribuição de dividendos não tem nada de voluntarista; ao contrário, busca resgatar a capacidade de planejamento da maior empresa do Brasil.

São constrangedoras, portanto, as piruetas retóricas de comentaristas na imprensa defendendo a primazia do acionista minoritário, como se fosse uma cláusula pétrea da governança corporativa. A banda não toca mais assim... no mundo!

A governança corporativa focada no extrativismo de curto prazo (resultados trimestrais) fragilizou as economias de mercado ao encurtar o horizonte de planejamento das empresas.

Segundo William Lazonick (University of Massachusetts Lowell), tal modelo produziu concentração de riqueza, desvirtuação da gestão corporativa, aumento da insegurança operacional –como o pavoroso caso da Boeing–, atrofia do ímpeto inovativo e esmagamento da classe média, a qual perdeu os bons empregos de colarinho azul para a insaciável cultura de corte de custos.

Ciente desses resultados, a mais influente associação de empresários dos EUA (Business Roundtable) anunciou, em agosto de 2019, "nova Declaração sobre o Propósito de uma Corporação", assinada por 181 executivos, que prometeram "liderar suas empresas para o benefício de todas as partes interessadas –clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e acionistas".

Nesse novo modelo de governança, o interesse e a ansiedade do acionista por lucros trimestrais não dominam a gestão. Dilata-se o horizonte das ações corporativas, incorporam-se outros interesses e reconhecem-se custos que antes as empresas empurravam para a sociedade (poluição, tratamento de resíduos etc.).

A mudança surgiu em meio à crescente percepção de que o aumento da desigualdade de riqueza e a crescente concentração da propriedade dos ativos financeiros poderiam produzir distorções na alocação de capital. A crise de 2008 e a pandemia escancararam a incapacidade do "capitalismo dos acionistas" em lidar com uma crise sistêmica. A paralisia generalizada da elite global em Davos em face da crise climática é exemplo destes descaminhos do grande capital.

Dois prêmios Nobel de Economia, Joseph Stiglitz e Michael Spence, defenderam esse modelo de "capitalismo de interesses amplos" (stakeholder capitalism). Para Spence, o arranjo "estabelece novos limites para a busca de retornos sobre o capital –limites que se destinam a proteger os cidadãos (funcionários, clientes mal informados, fornecedores, gerações futuras)" que, sem poder de mercado, não têm como se proteger. Stiglitz fez a ressalva de que o Estado deve disciplinar as corporações para que cumpram as promessas de mudança.

Exemplo desse novo paradigma corporativo, a petroleira estatal norueguesa Equinor também cortou os dividendos extraordinários distribuídos aos acionistas e o preço da ação caiu 7%. Lá, o Estado detém 67% das ações e sofre críticas por investir no "mercado pouco rentável" de energias renováveis e soluções de baixo carbono.

Da mesma forma, a Petrobras deve direcionar as volumosas rendas de monopólio à transição energética. É inadiável que se reduza a distribuição de dividendos ordinários ao mínimo de 25% do lucro líquido (R$ 29,2 bilhões em 2023), estabelecido pela lei das S/As, em vez da atual regra de 45% do fluxo de caixa livre (R$ 72,4 bilhões em 2023).

Os acionistas majoritários da Petrobras são os mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras e rejeitam a interferência política dos acionistas minoritários, fixados em seu retorno financeiro de curto prazo.

É preciso colocar nossa mais estratégica empresa a serviço da reindustrialização, para o bem do Brasil.

*Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

 

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