Folha de S. Paulo
Governadores fazem campanha para não pagar
dívida com União; Lula aceita negociar
Quase ninguém deu bola, mas o governo federal
acaba de dizer que vai perdoar parte da dívida dos estados. Por ora, o calote
está saindo barato. Mas o caldo pode engrossar no Congresso.
Os estados se dizem esfolados pelos juros
excessivos. Ameaçavam pedir à Justiça sempre amiga uma nova autorização de
calote. Dizer "estados", em geral, é injustiça, diga-se de passagem.
A campanha pelo novo favor parte principalmente daqueles mais endividados e
metidos na baderna fiscal.
O que é essa dívida? Entre 1997 e 1999, o governo federal assumiu as dívidas de estados quebrados por endividamento excessivo, má gestão ou bandalheira, inclusive com bancos públicos. A União ficou com os débitos caros e impagáveis e cobrava dos estados taxa de juros de 6% ao ano mais correção monetária (7,5% em alguns casos). Era então uma taxa de juros de pai para filho.
O negócio beneficiou especialmente São
Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que tinham uns 90% da dívida
assumida pela União. Desde então, São Paulo ao menos arrumou as contas.
Os outros campeões de dívida continuaram um
escândalo, teratológico no caso de Rio e Minas. A dívida do Rio equivalia em
2023 a 188% da receita corrente líquida do estado. A do Rio Grande do Sul, a
185%. Minas, 168%. São Paulo, 128%. Dois terços dos estados têm dívida inferior
a 30% da receita.
Por falar nisso, a campanha da nova anistia
de dívida é liderada também por Rodrigo
Pacheco (PSD de
Minas), presidente do Senado e
talvez candidato a governador, que quer mais alívio.
O que se passa agora? Caso os estados cumpram
a meta de expansão do ensino técnico fixadas pelo governo federal, a taxa de
juros pode cair a 2% ao ano (está em 4%). Caso entreguem ativos ao governo
federal, como empresas estatais, podem reduzir a taxa em mais um ponto
percentual. A taxa real de juros de um ano no mercado está em 6% ao ano.
Fora essas condições, qual a contrapartida?
Gente do governo disse a este jornalista que negocia o fim de uma farra com
restos a pagar —despesas que ficam de ano para outro, o que é normal, desde que
exista cobertura financeira para honrá-las a seguir.
O que certos governos fazem é, na prática,
obter financiamento, na marra, dos fornecedores e deixar papagaios enormes para
o governo seguinte, sem caixa. O governo federal quer que essas contas sejam
acertadas a cada ano. O governo não diz se haverá outras exigências.
No fim das contas, o governo federal vai
fazer mais dívida para que os governadores gastem em ensino técnico. No limite,
deixaria de receber uns R$ 8 bilhões por ano. Perto da dívida do governo geral
(todos os governos, estatais e BC), de R$ 8,2 trilhões, é fichinha. Mas o Ministério
da Fazenda cata moedas a fim de reduzir o déficit, com o objetivo de
conter o aumento da dívida pública.
A dívida dos estados caiu, com a
reestruturação do final do século passado. Mas, lá por 2010, começou choradeira
intensa.
Os estados suspeitos de sempre jamais fizeram
um ajuste de contas: contenção de despesas com servidores, da Previdência etc.
Vários deles diminuíam impostos sobre empresas graúdas, na guerra fiscal.
Aumentaram despesas de modo permanente, contando que a receita excepcional dos
anos em torno de 2010 seria eterna.
Lula 2 e
Dilma 1 facilitaram, quando não apoiaram, endividamento extra (que dependia de
regras e, na prática, de autorização federal). A partir de 2014, houve perdões
federais de dívida ou redução de taxas de juros. Justiça e Congresso ajudaram a
avacalhação geral. Veio a crise. Rio, Minas e Rio Grande do Sul quebraram de
maneira operística, não pagavam salários etc.
O novo perdão incentiva ou premia
irresponsáveis, como se pode notar. O país inteiro paga a conta.
Wilson Gomes.
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