quarta-feira, 27 de março de 2024

Lu Aiko Otta - Lula e a versão regional do PAC

Valor Econômico

Presidente pretende revitalizar a interlocução com países vizinhos e discutir os projetos de infraestrutura

No esforço de retomar a presença do Brasil na região, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva programou viagens para Colômbia, Chile e Bolívia ao longo das próximas semanas. Na primeira visita a esses países em seu terceiro mandato, pretende revitalizar a interlocução com os vizinhos e discutir os projetos de infraestrutura que integram o projeto Rotas de Integração, coordenado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet.

São quatro rotas que levam a dez diferentes pontos de saída para o Pacífico e uma que interliga Manaus e os portos do Norte brasileiro às Guianas. O objetivo é dinamizar o comércio intrarregional e encurtar o tempo de viagem aos mercados consumidores asiáticos em cerca de dez dias.

A definição das rotas começou com consultas aos Estados que têm fronteira terrestre, contou à coluna o secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento, João Villaverde. A partir daí, foram selecionados projetos para serem incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Ao mesmo tempo, o Brasil usou seu peso em instituições multilaterais de crédito, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata), para garantir financiamento para os projetos. O Brasil e os países da região têm mantido uma atuação assertiva nesse sentido, disse a secretária de Assuntos Internacionais, Renata Amaral.

Assim, foram assegurados US$ 7 bilhões dessas instituições e mais US$ 3 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), informou a secretária. Os recursos poderão ser reforçados, a participação do New Development Bank (NDB), o “banco do Brics”, atualmente comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Os recursos do BNDES serão utilizados só nas obras do lado brasileiro. Os vizinhos poderão buscar financiamento nos organismos multilaterais.

Depois de desenhar as rotas a partir do ponto de vista das estratégias de desenvolvimento dos Estados fronteiriços, o time de Tebet passou a ouvir os países vizinhos sobre as obras necessárias do lado de lá de fronteira.

No caso da Guiana, onde Lula esteve no final de fevereiro, a coincidência foi total, disse Villaverde. A pavimentação de um trecho rodoviário de 300 quilômetros entre Lethem e Mabura Hill, do lago guianense, melhorará o acesso de Boa Vista ao porto de Georgetown.

No próximo dia 17, Lula estará na Colômbia. O país integra a Rota 2, que liga Manaus aos portos do Equador e do Peru por hidrovias e rodovias. Essa rota passa pelo ponto de fronteira entre Tabatinga (AM) e Letícia, em território colombiano.

Nesse local situado em uma área de crescente violência, por influência de narcotráfico e garimpo ilegal, está no PAC a construção de postos da Receita e da Polícia Federal. Também está no programa a sinalização do rio Solimões, utilizado para escoamento da carga.

No Chile, destino de Lula em maio, o “match” de projetos foi total, disse Villaverde. A Rota 4 viabiliza a saída de mercadorias de Mato Grosso do Sul, de São Paulo e do Paraná por dois portos chilenos: Iquique e Antofagasta. Com financiamento do Fonplata, o Paraguai pavimenta um trecho rodoviário, obra prevista para ser concluída em 2026.

Na Bolívia, que Lula deverá visitar em meados do ano, um ponto de interesse é a compra de fertilizantes produzidos no país vizinho.

Para Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp, as Rotas de Integração envolvem projetos “menos faraônicos” do que os da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), lançada no início deste século e uma marca da onda de governos de esquerda que durou até 2015. É uma visão mais pragmática, avaliou.

Também o fato de ser liderado por Tebet, adversária de Lula no primeiro turno eleitoral, pode tirar o caráter ideológico dos projetos, disse.

A busca de mais saídas para o Pacífico é uma tendência natural. Os Estados da fronteira oeste são os que apresentam maior taxa de crescimento econômico e os que mais têm elevado suas exportações, pontuou o pesquisador Pedro Silva Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No entanto, disse, não basta construir estradas e pontes. Para que os projetos gerem o impacto econômico esperado, é necessária uma governança compartilhada entre governos, com participação da iniciativa privada e dos atores subnacionais.

Um exemplo é o que ocorre no Peru. Hoje, o país já oferece uma ligação por terra para o Pacífico. Porém, a circulação de carga é limitada por cotas para o tráfego de caminhões.

Lula deverá criar nos próximos dias, por decreto, uma comissão interministerial que tratará da integração sul-americana, informou Villaverde. Não só as pastas do Planejamento, das Relações Exteriores e as de infraestrutura estarão presentes, mas também órgãos como Polícia Federal e Receita Federal, numa abordagem ampliada.

O avanço da atividade econômica para o oeste do Brasil torna cada vez mais necessária a atenção do Estado para a área de fronteira, seu desenvolvimento econômico, o reforço em sua segurança e a preservação do meio ambiente.

 

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