Por O Globo e agências internacionais
Extrema direita quadruplica bancada em Portugal; centro-direita deve comandar governo
LISBOA - Com os resultados praticamente
definidos nas eleições em Portugal, o partido radical Chega conseguiu
quadruplicar sua bancada na Assembleia Nacional, no maior
avanço da extrema direita no país na História recente. A expectativa
é de que o novo governo seja comandado pela centro-direita, com a Aliança
Democrática (AD), liderada pelo Partido Social-Democrata, que aparece com
apenas duas cadeiras a mais do que o Partido Socialista, que hoje comanda o
governo. Mesmo assim, o líder dos social-democratas já declarou vitória.
Mesmo antes dos números finais, o Chega já comemorava os números — afinal, o partido hoje tem 12 deputados, e ficará com 48, segundo os esultados preliminares. Ainda neste domingo, a sigla confirmou ter recebido mais de um milhão de votos. A contagem já terminou no território português, mas ainda está em andamento para os votos do exterior.
— Sinto-me realizado, segundo tudo indica
haverá uma maioria forte à direita para governar — disse o líder do Chega,
André Ventura, que foi reeleito em seu distrito em Lisboa. — Hoje é o dia em
que se assinala o fim do bipartidarismo em Portugal.
Nas declarações à imprensa, ele sinalizou que
está aberto a um eventual convite para integrar o Gabinete liderado pelos
social-democratas.
— Os portugueses manifestaram-se e disseram
claramente que querem um governo entre o Chega e a AD, cabe agora aos líderes
políticos interpretar o que foi expresso. Não há um país que eu conheça em que
um dos blocos da maioria tem mais de 20% e não há governo — declarou Ventura. —
Os portugueses deram-nos uma maioria. Seremos totalmente irresponsáveis se não
concretizarmos com um governo. Temos de dar um governo a Portugal. Estamos
disponíveis para construir um governo em Portugal.
Até agora, não há qualquer indício de que o
Chega, pautado em um
forte discurso anti-imigração e com falas xenofóbicas
recorrentes, possa integrar o governo, como quer Ventura. Na reta final de
campanha, Luís Montenegro, presidente do Partido Social-Democrata, disse que
"não fala" com Ventura, e chegou a pedir aos eleitores do Chega que
votassem em sua sigla — desde o ano passado, Montenegro vem usando a expressão
"não é não" para negar qualquer acordo com a extrema-direita.
— Quero dizer a essas pessoas que
compreendo-as e sei que elas não são extremistas, não são racistas, não são
xenófobas — disse Montenegro, na terça-feira passada. — Eu compreendo que muita
dessa força vem da frustração, da indignação, às vezes mesmo da revolta que
muitas portuguesas e muitos portugueses sentem porque os poderes públicos, em
particular o Governo, não está a dar a resposta que essas pessoas exigem.
Na noite de domingo, durante discurso a
apoiadores, Montenegro disse considerar que a vitória era irreversível, com a
AD somando ao menos 79 cadeiras na Assembleia e se firmando como a maior
bancada, incluindo as três cadeiras da coligação PSD-CDS na Ilha da Madeira. Ao
ser questionado sobre uma eventual aliança com o Chega, foi sucinto.
— Eu assumi dois compromissos na campanha
eleitoral e naturalmente cumprirei a minha palavra — disse Montenegro. — Nunca
faria comigo, com o meu partido e com Portugal tamanha maldade que seria
descumprir compromissos que fiz de forma bem clara.
Segundo analistas, é grande a possibilidade
de Montenegro liderar um governo de minoria, algo possível em Portugal, mas que
traz consigo o fantasma da instabilidade. Desde 1976, apenas três Gabinetes
desse tipo conseguiram chegar ao fim de seus mandatos: a
"geringonça" de António Costa, o primeiro governo de
António Guterres, no final dos anos 1990, e um governo de Carlos César nos
Açores, nesta mesma época.
— É tudo aquilo de que Portugal não precisava
num contexto de tanta incerteza internacional. Portanto, creio que a opção de
avançar para eleições só pode ser classificada como muito temerária, muito
arriscada e, infelizmente, as circunstâncias atuais sugerem que Portugal sairá
fragilizado — disse ao Jornal de Notícias o chanceler português, João Gomes
Cravinho, ao comentar a possibilidade de um governo minoritário da AD e a
hipótese de novas eleições.
De volta à oposição
Dentro do Partido Socialista (PS), a
possibilidade de uma derrota era levada a sério, e ela foi confirmada pelas
projeções e pelos resultados preliminares. Das 120 cadeiras atuais, a sigla
ficará com 77, sendo relegada à oposição pela primeira vez desde 2015. A
Assembleia é composta por 230 deputados.
— Vamos liderar a oposição. Seremos a
oposição. Renovaremos o partido e procuraremos resgatar os portugueses
descontentes com o PS. Esta é a nossa tarefa daqui para a frente — disse o
secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, em declarações a apoiadores.
Alguns resultados permitiram traçar uma
imagem do tamanho da derrota: no distrito de Beja, considerado um bastião da
esquerda, o candidato do PS sficou em primeiro, mas seguido por um nome da AD e
por um do Chega — no distrito são eleitos os três candidatos mais votados. Nas
últimas duas eleições, o PS ficou com duas cadeiras e a Coligação Democrática
Unitária, de esquerda, com uma cadeira.
Um outro ponto trazido pelas pesquisas de
boca de urna foi a queda na abstenção: o voto não é obrigatório em Portugal, e
segundo as projeções entre 32% e 38% dos eleitores aptos não foi às seções
depositar seus votos. Em 2022, a abstenção foi de 48,54%. Caso se confirme,
seria a mais baixa abstenção em 15 anos.
Depois da confirmação dos resultados, está marcada para a quarta-feira uma conferência de líderes dos partidos, e uma semana depois o presidente Marcelo Rebelo de Sousa ouve essas lideranças sobre os nomes cotados para liderar um governo, e sinaliza quem deve ser o indicado para o posto de primeiro-ministro. A confirmação no cargo será feita na primeira sessão da nova legislatura, que deve ocorrer no início de abril — depois da posse, o novo Gabinete deve apresentar um programa de governo, que será submetido ao plenário, e pode inclusive ser rejeitado pelos parlamentares.
O ideal seria nem direita nem esquerda.
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