segunda-feira, 11 de março de 2024

Virada à direita em Portugal

Por O Globo e agências internacionais 

Extrema direita quadruplica bancada em Portugal; centro-direita deve comandar governo

LISBOA - Com os resultados praticamente definidos nas eleições em Portugal, o partido radical Chega conseguiu quadruplicar sua bancada na Assembleia Nacional, no maior avanço da extrema direita no país na História recente. A expectativa é de que o novo governo seja comandado pela centro-direita, com a Aliança Democrática (AD), liderada pelo Partido Social-Democrata, que aparece com apenas duas cadeiras a mais do que o Partido Socialista, que hoje comanda o governo. Mesmo assim, o líder dos social-democratas já declarou vitória.

Mesmo antes dos números finais, o Chega já comemorava os números — afinal, o partido hoje tem 12 deputados, e ficará com 48, segundo os esultados preliminares. Ainda neste domingo, a sigla confirmou ter recebido mais de um milhão de votos. A contagem já terminou no território português, mas ainda está em andamento para os votos do exterior.

— Sinto-me realizado, segundo tudo indica haverá uma maioria forte à direita para governar — disse o líder do Chega, André Ventura, que foi reeleito em seu distrito em Lisboa. — Hoje é o dia em que se assinala o fim do bipartidarismo em Portugal.

Nas declarações à imprensa, ele sinalizou que está aberto a um eventual convite para integrar o Gabinete liderado pelos social-democratas.

— Os portugueses manifestaram-se e disseram claramente que querem um governo entre o Chega e a AD, cabe agora aos líderes políticos interpretar o que foi expresso. Não há um país que eu conheça em que um dos blocos da maioria tem mais de 20% e não há governo — declarou Ventura. — Os portugueses deram-nos uma maioria. Seremos totalmente irresponsáveis se não concretizarmos com um governo. Temos de dar um governo a Portugal. Estamos disponíveis para construir um governo em Portugal.

Até agora, não há qualquer indício de que o Chega, pautado em um forte discurso anti-imigração e com falas xenofóbicas recorrentes, possa integrar o governo, como quer Ventura. Na reta final de campanha, Luís Montenegro, presidente do Partido Social-Democrata, disse que "não fala" com Ventura, e chegou a pedir aos eleitores do Chega que votassem em sua sigla — desde o ano passado, Montenegro vem usando a expressão "não é não" para negar qualquer acordo com a extrema-direita.

— Quero dizer a essas pessoas que compreendo-as e sei que elas não são extremistas, não são racistas, não são xenófobas — disse Montenegro, na terça-feira passada. — Eu compreendo que muita dessa força vem da frustração, da indignação, às vezes mesmo da revolta que muitas portuguesas e muitos portugueses sentem porque os poderes públicos, em particular o Governo, não está a dar a resposta que essas pessoas exigem.

Na noite de domingo, durante discurso a apoiadores, Montenegro disse considerar que a vitória era irreversível, com a AD somando ao menos 79 cadeiras na Assembleia e se firmando como a maior bancada, incluindo as três cadeiras da coligação PSD-CDS na Ilha da Madeira. Ao ser questionado sobre uma eventual aliança com o Chega, foi sucinto.

— Eu assumi dois compromissos na campanha eleitoral e naturalmente cumprirei a minha palavra — disse Montenegro. — Nunca faria comigo, com o meu partido e com Portugal tamanha maldade que seria descumprir compromissos que fiz de forma bem clara.

Segundo analistas, é grande a possibilidade de Montenegro liderar um governo de minoria, algo possível em Portugal, mas que traz consigo o fantasma da instabilidade. Desde 1976, apenas três Gabinetes desse tipo conseguiram chegar ao fim de seus mandatos: a "geringonça" de António Costa, o primeiro governo de António Guterres, no final dos anos 1990, e um governo de Carlos César nos Açores, nesta mesma época.

— É tudo aquilo de que Portugal não precisava num contexto de tanta incerteza internacional. Portanto, creio que a opção de avançar para eleições só pode ser classificada como muito temerária, muito arriscada e, infelizmente, as circunstâncias atuais sugerem que Portugal sairá fragilizado — disse ao Jornal de Notícias o chanceler português, João Gomes Cravinho, ao comentar a possibilidade de um governo minoritário da AD e a hipótese de novas eleições.

De volta à oposição

Dentro do Partido Socialista (PS), a possibilidade de uma derrota era levada a sério, e ela foi confirmada pelas projeções e pelos resultados preliminares. Das 120 cadeiras atuais, a sigla ficará com 77, sendo relegada à oposição pela primeira vez desde 2015. A Assembleia é composta por 230 deputados.

— Vamos liderar a oposição. Seremos a oposição. Renovaremos o partido e procuraremos resgatar os portugueses descontentes com o PS. Esta é a nossa tarefa daqui para a frente — disse o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, em declarações a apoiadores.

Alguns resultados permitiram traçar uma imagem do tamanho da derrota: no distrito de Beja, considerado um bastião da esquerda, o candidato do PS sficou em primeiro, mas seguido por um nome da AD e por um do Chega — no distrito são eleitos os três candidatos mais votados. Nas últimas duas eleições, o PS ficou com duas cadeiras e a Coligação Democrática Unitária, de esquerda, com uma cadeira.

Um outro ponto trazido pelas pesquisas de boca de urna foi a queda na abstenção: o voto não é obrigatório em Portugal, e segundo as projeções entre 32% e 38% dos eleitores aptos não foi às seções depositar seus votos. Em 2022, a abstenção foi de 48,54%. Caso se confirme, seria a mais baixa abstenção em 15 anos.

Depois da confirmação dos resultados, está marcada para a quarta-feira uma conferência de líderes dos partidos, e uma semana depois o presidente Marcelo Rebelo de Sousa ouve essas lideranças sobre os nomes cotados para liderar um governo, e sinaliza quem deve ser o indicado para o posto de primeiro-ministro. A confirmação no cargo será feita na primeira sessão da nova legislatura, que deve ocorrer no início de abril — depois da posse, o novo Gabinete deve apresentar um programa de governo, que será submetido ao plenário, e pode inclusive ser rejeitado pelos parlamentares.

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