segunda-feira, 11 de março de 2024

Washington Olivetto - Quem não se comunica, se trumbica

O Globo

Muita gente diz que não assiste ao BBB de jeito nenhum, mas, misteriosamente, o programa é, há vários anos, um enorme sucesso

No início dos anos 1980, depois de quase dez anos afastado da emissora, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, voltou à TV Globo, com toda a pompa e circunstância, para apresentar aos sábados seu Cassino do Chacrinha.

Nessa época, Chacrinha vira e mexe entregava o Troféu Velho Guerreiro a algum cantor ou ator de novelas. Mas, no ano em que ganhei uma porção de leões no Festival do Cinema Publicitário de Cannes, ele resolveu me conceder um Velho Guerreiro também. Fiquei empolgado com o prêmio, pois queria muito conhecer o Chacrinha, de quem já era fã havia muito tempo.

Como não gosto de atrasos, cheguei para o programa antes da hora marcada e fiquei observando o trabalho da produção. Eles estavam checando as luzes, os efeitos de gelo seco, a posição das chacretes no palco e treinando o auditório, já lotado, para responder às perguntas do Chacrinha, tipo “Vai para o trono ou não vai?”, e berrar “Uh uh” quando ele gritasse “Terezinha”! Tudo milimetricamente ensaiado.

De repente, apareceu o Chacrinha, ainda não fantasiado. Ele percebeu que eu estava observando aquilo atentamente, me cumprimentou e perguntou:

— Gostando, Olivetto?

— Muito bem organizado — respondi.

— Sabe por que é assim organizado? Porque aí eu entro e desorganizo. Se não estiver organizado, não dá para desorganizar.

Chacrinha era um gênio que, durante bom tempo, sofreu preconceitos. Mesmo sendo líder de audiência, havia quem dizia não assistir a seu programa por ser popular demais. Resolveu isso com uma ideia brilhante. Começou a mandar abraços e saudações para pessoas da alta sociedade.

— Alô, Thereza Souza Campos, como vai, vai bem?

— Alô, Chiquinho Scarpa, como vai, vai bem?

Essa ideia não só diminuiu os preconceitos, como também atraiu outros grã-finos para a audiência e melhorou o nível dos anunciantes. Tudo isso — somado aos elogios dos tropicalistas e de alguns intelectuais como os irmãos Campos — construiu a merecida reputação de Chacrinha como grande comunicador do Brasil.

Outros grandes comunicadores e ídolos populares também sofreram preconceitos. É o caso de Silvio Santos, sobre quem muita gente mentia ao dizer que não assistia, quando ele já detinha a audiência recorde das televisões ligadas em todo o país aos domingos. Ou de Raul Gil, que os esnobes chamavam de brega, enquanto os modernos e antenados como os Titãs adoravam ir ao seu programa.

No futebol, Galvão Bueno sempre teve como grande mérito sua capacidade de ler o inconsciente coletivo e dizer coisas que o mais simplório dos torcedores gostaria de dizer. Foi muito criticado por isso, o que não interferiu em nada em sua brilhante carreira. O mesmo aconteceu com outros comunicadores populares de enorme talento e sucesso, como Ana Maria Braga.

Um capítulo bastante interessante da relação da nossa sociedade com os grandes sucessos da comunicação de massa é a reação do público masculino às novelas. Inicialmente rejeitadas pelo machismo dos homens brasileiros e vistas como coisa de mulherzinha, as novelas só começaram a ter alguma aceitação masculina durante o fenômeno Beto Rockfeller. Mas só conquistaram o público masculino pra valer depois das tramas urbanas e contemporâneas de Gilberto Braga. O livro “Gilberto Braga, o Balzac da Globo” explica muito bem. Não deixem de ler.

Hoje em dia, o programa líder absoluto de audiência menos assistido é o BBB — Big Brother Brasil. Muita gente diz que não assiste de jeito nenhum, mas, misteriosamente, o BBB é, há vários anos, um enorme sucesso.

Não vou mentir que seja apaixonado pelo BBB, o que não é verdade, mas, como profissional de comunicação, não posso deixar de saber daquilo que milhões de pessoas estão vendo. Por isso, de vez em quando, dou uma espiadinha. Mesmo nos dias de hoje, quando informações e detalhes sobre o BBB são muito fáceis de obter.

Todo dia, a mídia, principalmente a mídia on-line, relata tudo que aconteceu ou acontecerá naquela casa. O programa passou a ser, além de campeão de audiência eletrônica, um campeão de audiência escrita.

Mérito de Boninho e sua equipe, que sabem que quem não se aprimora, se estupora.

 

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