O Globo
É preciso recalibrar a política econômica, com menos artificialismo fiscal e promovendo um ambiente de negócios mais saudável ao investimento
Uma das dificuldades enfrentadas por
analistas de conjuntura econômica é diferenciar os fatores transitórios dos
mais duradouros que impactam a atividade econômica. Além da sazonalidade (como
a decorrente de feriados) e de ruídos de curto prazo (como condições climáticas
impactando a safra), há a componente cíclica (como flutuações de demanda que
respondem às políticas monetária e fiscal) e a de tendência de longo prazo
(associada às condições da oferta ou ao potencial de crescimento do país).
O crescimento econômico sustentado está
associado à tendência da série, e não aos demais componentes.
Sob esse prisma, vale analisar as surpresas recentes nos dados de atividade econômica. Há razões para acreditar na existência de elementos mais duradouros, e não apenas transitórios, sinalizando um maior vigor da economia em relação ao passado recente.
Para começar, foram vários indicadores
econômicos exibindo dinâmica mais forte, e não casos isolados. Um conjunto de
dados apontando na mesma direção parece formar um cenário mais consistente de
crescimento.
Começando pelas vendas no varejo (+ 2,4% em
janeiro ante dezembro, descontado o padrão sazonal), a alta foi bastante
disseminada entre os segmentos, bem como entre os estados. São sinais de maior
robustez dos números.
Além disso, há evidente tendência de
elevação, ainda que lenta, no volume de vendas desde o ano passado, o que
coincide com a acomodação da inflação de bens. O retrato de 2023 foi
sensivelmente diferente do de 2022, um ano difícil, com vendas estagnadas e
aumento expressivo de preços afastando o consumidor.
Padrão similar, ainda que não tão
contundente, é observado no setor de serviços (+0,7% na mesma comparação), com
evolução favorável na maioria dos segmentos do setor, bem como nos estados. É
verdade que há uma natural acomodação do crescimento em relação ao padrão
cíclico no pós-pandemia, mas ainda assim a tendência é positiva.
Já a estagnação da indústria demanda um olhar
especial, posto que é o elo mais frágil no cenário. O setor é mais sensível ao
Custo Brasil e o baixo investimento no setor tem comprometido a competitividade
de muitos segmentos. Aqui é difícil traçar um quadro benigno.
Por ora, vale apenas pontuar que alguns
segmentos da indústria têm conseguido elevar lentamente suas exportações. Isso
pode ser um sinal de algum ganho de competitividade de produtos brasileiros.
Tudo somado, o indicador do PIB mensal
calculado pelo Banco Central exibe tendência de elevação, apesar da estagnação
no segundo semestre. Quando se toma a média de 12 meses, para suavizar o
impacto de fatores transitórios e se identificar melhor a tendência das séries,
nota-se uma alta generalizada entre as regiões do país.
Finalmente, os dados do mercado de trabalho
reforçam um quadro benigno, com a geração de vagas em ritmo comparável ao
padrão histórico, uma vez superado o período pós-pandemia, com o fim do
isolamento social. Isso vale para o emprego total e para o emprego com carteira
assinada (Caged). O movimento também é bastante disseminado entre setores e
entre estados.
Caso o quadro fosse de maior incerteza em
relação à atividade econômica, o mercado de trabalho estaria mais frágil, pois
empresários aguardariam para contratar.
O movimento mais disseminado de crescimento —
nos vários setores, segmentos e regiões do país — sugere uma economia que se
fortalece, inclusive sofrendo menos as consequências dos juros altos do BC em
relação ao padrão passado. Parece, portanto, haver boas notícias do lado mais
estrutural, com expansão da oferta, o que provavelmente decorre do efeito
cumulativo de reformas e de ajustes na economia, principalmente desde 2016.
Uma parte do resultado, porém, é causada
pelos estímulos à demanda resultantes da forte expansão de gastos públicos.
Aqui é necessário maior cautela, pois o efeito na economia é cíclico, de fôlego
curto, e limita o trabalho do BC de cortar os juros, pois excessos de demanda
prejudicam a queda da inflação.
A missão do atual governo é entregar a
economia estruturalmente melhor do que recebeu, revertendo a queda de
investimentos — já tão baixos — observada em 2023. Para isso, é preciso
recalibrar a política econômica, com menos artificialismo fiscal e promovendo
um ambiente de negócios mais saudável ao investimento.
Lendo e aprendendo.
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