quarta-feira, 20 de março de 2024

Zeina Latif - Sinais mais promissores na economia precisam ser cultivados

O Globo

É preciso recalibrar a política econômica, com menos artificialismo fiscal e promovendo um ambiente de negócios mais saudável ao investimento

Uma das dificuldades enfrentadas por analistas de conjuntura econômica é diferenciar os fatores transitórios dos mais duradouros que impactam a atividade econômica. Além da sazonalidade (como a decorrente de feriados) e de ruídos de curto prazo (como condições climáticas impactando a safra), há a componente cíclica (como flutuações de demanda que respondem às políticas monetária e fiscal) e a de tendência de longo prazo (associada às condições da oferta ou ao potencial de crescimento do país).

O crescimento econômico sustentado está associado à tendência da série, e não aos demais componentes.

Sob esse prisma, vale analisar as surpresas recentes nos dados de atividade econômica. Há razões para acreditar na existência de elementos mais duradouros, e não apenas transitórios, sinalizando um maior vigor da economia em relação ao passado recente.

Para começar, foram vários indicadores econômicos exibindo dinâmica mais forte, e não casos isolados. Um conjunto de dados apontando na mesma direção parece formar um cenário mais consistente de crescimento.

Começando pelas vendas no varejo (+ 2,4% em janeiro ante dezembro, descontado o padrão sazonal), a alta foi bastante disseminada entre os segmentos, bem como entre os estados. São sinais de maior robustez dos números.

Além disso, há evidente tendência de elevação, ainda que lenta, no volume de vendas desde o ano passado, o que coincide com a acomodação da inflação de bens. O retrato de 2023 foi sensivelmente diferente do de 2022, um ano difícil, com vendas estagnadas e aumento expressivo de preços afastando o consumidor.

Padrão similar, ainda que não tão contundente, é observado no setor de serviços (+0,7% na mesma comparação), com evolução favorável na maioria dos segmentos do setor, bem como nos estados. É verdade que há uma natural acomodação do crescimento em relação ao padrão cíclico no pós-pandemia, mas ainda assim a tendência é positiva.

Já a estagnação da indústria demanda um olhar especial, posto que é o elo mais frágil no cenário. O setor é mais sensível ao Custo Brasil e o baixo investimento no setor tem comprometido a competitividade de muitos segmentos. Aqui é difícil traçar um quadro benigno.

Por ora, vale apenas pontuar que alguns segmentos da indústria têm conseguido elevar lentamente suas exportações. Isso pode ser um sinal de algum ganho de competitividade de produtos brasileiros.

Tudo somado, o indicador do PIB mensal calculado pelo Banco Central exibe tendência de elevação, apesar da estagnação no segundo semestre. Quando se toma a média de 12 meses, para suavizar o impacto de fatores transitórios e se identificar melhor a tendência das séries, nota-se uma alta generalizada entre as regiões do país.

Finalmente, os dados do mercado de trabalho reforçam um quadro benigno, com a geração de vagas em ritmo comparável ao padrão histórico, uma vez superado o período pós-pandemia, com o fim do isolamento social. Isso vale para o emprego total e para o emprego com carteira assinada (Caged). O movimento também é bastante disseminado entre setores e entre estados.

Caso o quadro fosse de maior incerteza em relação à atividade econômica, o mercado de trabalho estaria mais frágil, pois empresários aguardariam para contratar.

O movimento mais disseminado de crescimento — nos vários setores, segmentos e regiões do país — sugere uma economia que se fortalece, inclusive sofrendo menos as consequências dos juros altos do BC em relação ao padrão passado. Parece, portanto, haver boas notícias do lado mais estrutural, com expansão da oferta, o que provavelmente decorre do efeito cumulativo de reformas e de ajustes na economia, principalmente desde 2016.

Uma parte do resultado, porém, é causada pelos estímulos à demanda resultantes da forte expansão de gastos públicos. Aqui é necessário maior cautela, pois o efeito na economia é cíclico, de fôlego curto, e limita o trabalho do BC de cortar os juros, pois excessos de demanda prejudicam a queda da inflação.

A missão do atual governo é entregar a economia estruturalmente melhor do que recebeu, revertendo a queda de investimentos — já tão baixos — observada em 2023. Para isso, é preciso recalibrar a política econômica, com menos artificialismo fiscal e promovendo um ambiente de negócios mais saudável ao investimento.

 

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