terça-feira, 23 de abril de 2024

Adriana Fernandes - Pauta-bomba econômica é afronta à sociedade

Folha de S. Paulo

É preciso carimbar quem patrocina projetos que geram gastos públicos

A pauta-bomba é uma praga que prolifera em Brasília, ainda mais em tempos difíceis para a equipe econômica.

É uma arma apontada para derrubar os afogados a sangrar o orçamento público –que não é do governo Lula, mas de todos os brasileiros.

Tem uma espécie de pauta-bomba que é gestada para não ir mesmo adiante. A finalidade dos produtores desse tipo de coisa é conseguir nos bastidores o avanço de temas mais espinhosos e, na maioria das vezes, ainda mais custosos.

PEC do Quinquênio, que estabelece um adicional por tempo de serviço e turbina os salários de juízes, promotores, delegados da Polícia Federal, defensores e advogados públicos, é uma dessas pragas.

É tão absurda e rejeitada pela sociedade brasileira que está a serviço também de algo maior com negociações não republicanas. A proposta dispara benefício extinto para juízes em 2005. Para os servidores do Executivo, o quinquênio já não existia desde 1999.

É uma contrarreforma administrativa apoiada por parlamentares da oposição e também aliados, que costumam encher a boca para defender a reforma administrativa e a responsabilidade fiscal das contas públicas.

Padrinho desde sempre da PEC, o presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), se transformou no agente oficial de socorro para a renegociação da dívida do seu estado, Minas Gerais. Um dos estados mais endividados e em situação periclitante.

Pacheco atua como se governador fosse e rivaliza com Romeu Zema (Novo), o chefe do Executivo mineiro, na tentativa de vestir o figurino de "salvador da pátria" das finanças do estado, de olho nas eleições de 2026.

A pressão de Pacheco, que tem a pauta do Senado na mão, foi gancho para outros estados pedirem o mesmo. É mais socorro do Tesouro Nacional para a maioria das unidades da federação. No que vai dar essa história já se sabe. Para bom entendedor, basta.

Difícil mesmo é imaginar uma liderança querer ser patrocinadora de retrocesso desta monta. O Judiciário também entra nesse jogo de nuances políticas, que nos escapam a olho nu.

Em 2023, nesta mesma época do ano, Pacheco sinalizou que iria colocar em votação a PEC. Coincidência? Não.

Este período é dos mais férteis do ano em pauta-bomba, junto com as últimas semanas do Legislativo. Nem precisa gastar espaço da coluna para descrever as razões, já que são momentos de definição de projetos importantes para a agenda econômica.

No ano passado, tínhamos o arcabouço fiscal e a reforma tributária, além das medidas de alta de arrecadação.

O governo também tem seus produtores de pauta-bomba. E está nas mãos do presidente Lula desarmar e barrar seus subordinados contra esse tipo de praga.

A matemática do impacto da pauta-bomba também interessa aos dois lados. Quanto mais se falar do prejuízo, mais poder de barganha terá o produtor da bomba diante do risco para as contas públicas. Ao governo também interessa inflar os valores para angariar apoio para barrar o estouro da bomba.

Não há pacto a ser feito sobre responsabilidades entre os Poderes, porque a legislação fiscal é branda ao definir punições para o descumprimento da meta fiscal no Executivo.

É por isso que o Congresso pode seguir impondo projetos de aumento de gastos sem compensação de receitas e despesas. O ônus político de adotar as medidas é do governo federal.

A única alternativa é botar o carimbo certo no peito dos parlamentares e autoridades dos três Poderes que faturam com a pauta-bomba. Repartir o ônus. Mas para tal, é necessário coragem, inclusive da imprensa. Do contrário, a fábrica permanente de produção de bombas seguirá como uma afronta à sociedade.

 

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