Folha de S. Paulo
Não só de resultado primário depende a
estabilidade da dívida pública
O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
2025 (PLDO 2025) reduziu a meta fiscal de um superávit de 0,5% do PIB para um
déficit zero. A Faria Lima rapidamente ajustou suas estimativas para um déficit
de 0,5% do PIB e abriu a nova temporada de pânico fiscalista.
Alegou-se que o marco fiscal ficou
fragilizado com a mudança de meta, que, pasme o leitor, está prevista nas
próprias regras fiscais.
O Regime
Fiscal Sustentável já inclui punições para o descumprimento da meta
fiscal, como reduzir o ritmo de crescimento da despesa no ano subsequente a 50%
das receitas,
bem como o contingenciamento de gastos ao longo do ano.
Levando em conta as demandas da sociedade e das forças políticas no Congresso, o governo pode ajustar a meta fiscal para não sacrificar gastos essenciais diante da frustração de receitas. Ao calibrar a meta de resultado primário, o governo define o prazo de estabilização da dívida pública, mas paga um preço por isso: o mercado financeiro precifica essa escolha elevando o prêmio de risco sobre a taxa básica de juros cobrada nos títulos de dívida pública.
Contudo, o resultado primário é apenas uma
das variáveis que afetam a trajetória da dívida pública.
O Boletim Focus mostra
estimativas crescentes de atividade econômica para 2024 (de 1,5% para 1,95%),
assim como é clara a tendência de queda da taxa Selic e da
inflação. Esses fatores vêm ajudando a controlar o endividamento público.
Segundo o Banco Central, a queda de um ponto percentual do IPCA reduz a dívida
pública em R$ 17,7 bilhões. De abril de 2022 até março de 2024, o IPCA em 12
meses caiu de 12,13% para 3,93%. Considerando a inflação prevista de 3,5% 12
meses adiante, teremos um mergulho de 8,7 pontos percentuais, o que implica uma
economia de R$ 150 bilhões em três anos.
O BC também mostra que um corte de um ponto
percentual na taxa Selic, mantido pelo período de 12 meses, reduz em R$ 41,4
bilhões a dívida bruta. Em agosto, o início do ciclo de cortes da Selic
completará 12 meses, e os efeitos cumulativos sobre a dívida pública
aparecerão. A queda de 13,75% para 10,75% tende a reduzir a dívida em quase R$
125 bilhões. O Monitor Fiscal do FMI (2024) reduziu, desde outubro passado, a
estimativa de uma dívida bruta de 90,3% do PIB para 86,7%, em 2024. Para 2025,
a queda foi de 92,4% para 89,3%.
Não há, portanto, indício de uma trajetória
explosiva da dívida pública. O FMI estima a estabilização da dívida em 2027 e
propõe um esforço de normalização fiscal de médio prazo, "protegendo
gastos sociais prioritários e gastos com investimentos ao mesmo tempo". O
relatório também mostra que as economias avançadas sustentarão déficits fiscais
de 3% do PIB pelo menos até 2028. Essas economias respondem por 60% do valores
gastos em políticas industriais no mundo. China e EUA
têm trajetórias crescentes de dívida pública, mostrando seu pragmatismo em meio
à corrida tecnológica pela descarbonização.
Nesse contexto, suavizar a trajetória de
resultado primário do Brasil faz todo o sentido. O marco fiscal é
multifacetado, tem várias camadas de controle e mobiliza todos os Poderes da
República. Não só de resultado primário depende a estabilidade da dívida
pública.
Melhorar a qualidade do gasto primário é
importante, mas insuficiente. É preciso mais austeridade ao orçamento
particular do rentismo: nos últimos 12 meses, o serviço de juros da dívida
pública representou 75% da necessidade de financiamento do setor público, R$
750 bilhões (ou 6,8% PIB).
É antidemocrático o veto da Faria Lima às
medidas de restauração do bem-estar social. A imprensa deveria repercutir
outras vozes além da Faria Lima para evitar essas ondas de pânico. É pedir
demais?
Ok
ResponderExcluirNos próximos anos descobriremos quem teve razão.