Valor Econômico
Senado abriu uma nova trincheira para
investigar o futebol brasileiro
Em um Congresso já tensionado, o Senado abriu
uma nova trincheira para investigar o futebol brasileiro. Nesta quarta-feira
(17), a comissão parlamentar de inquérito (CPI) das Apostas Esportivas votará
cerca de 20 requerimentos, entre eles, o convite ao empresário americano John
Textor, dono do Botafogo.
Nos últimos dias, Textor acusou - ainda sem provas - o Palmeiras, campeão do Brasileirão em 2022 e 2023, de ter sido favorecido com a suposta manipulação de resultados. Ele citou dois confrontos, um com o Fortaleza (4 a 0) em 2022, e outro com o São Paulo (5 a 0) em 2023, em que o adversário teria entregado os resultados ao alviverde. CEO do grupo Eagle Football Holdings LLC, Textor também controla o Crystal Palace, da Premier League, o Lyon, o RWD Molenbeek e o FC Florida.
A CPI fará os holofotes se voltarem para um
parlamentar conhecido pelas declarações polêmicas e postura inflexível, mas que
nos bastidores, consolidou-se como um festejado anfitrião em Brasília: o
senador Jorge Kajuru (PSB-GO), presidente do colegiado.
Kajuru, que é vice-líder do governo, abre as
portas do apartamento funcional na Asa Sul, às terças e quartas-feiras à noite,
para oferecer aos colegas dois pratos principais: uma tradicional galinhada,
típica da culinária goiana, e uma opção de frutos do mar. Os convidados levam
os vinhos.
Diante da polarização bolsonaristas x
lulistas, Kajuru recebe a oposição às terças-feiras, e os governistas às
quartas-feiras. O hábito de receber os colegas remonta ao início do mandato, em
2019, mas nos últimos meses as reuniões das quartas-feiras ficaram mais
concorridas, com a presença de ministros e líderes do governo.
Já prestigiaram a galinhada de Kajuru os
ministros das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), da Educação,
Camilo Santana (PT), do Planejamento, Simone Tebet (MDB), e o líder do governo,
senador Jaques Wagner (PT-BA), entre outros. O ministro do Desenvolvimento
Regional, Waldez Góes, gosta de cozinhar. Ex-governador do Amapá, ele prepara
pessoalmente um prato típico da região, o filhote ao tacacá.
Pelo lado da oposição, frequentam os jantares
os senadores Romário (PL-RJ), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), acompanhado da
esposa, Soraya Thronicke (Podemos-MS), entre outros. Kajuru não quer briga com
nenhum dos lados. “Eu não vivo de ódio, vivo de amor”. Ele entretém os
convidados com histórias do arco da velha de seus 40 anos de cobertura do
esporte brasileiro no rádio, televisão e jornais.
Na CPI, Kajuru fará dobradinha com Romário,
relator da investigação. Eles levam para o parlamento uma amizade de mais de 30
anos, que começou na Olimpíada de Seul em 1988, quando ele cobriu os jogos pelo
SBT, e o atacante atuou na Seleção Brasileira, que foi medalha de prata. “Não
faço nada sem combinar com o Romário, é como se fôssemos irmãos”.
Embora dirigentes de clubes e autoridades do
futebol coloquem em dúvida as acusações de Textor, Kajuru afirma que Romário
tem mantido contato com o empresário, e acredita que ele tenha bala na agulha.
“Ele só entregou [à polícia e ao MP] 10% do que tem, o Romário acha que um
empresário do tamanho dele não iria mentir”.
Kajuru rechaça que a CPI das Apostas terá o
mesmo fim melancólico que as tentativas anteriores do Congresso de investigar o
futebol que acabaram frustradas. Em 2000, a CPI da Câmara dos Deputados para
investigar o contrato da Confederação Brasileira de Futebol (CPI) com a Nike
terminou sem o relatório aprovado.
Em 2016, a CPI do Futebol, que tinha Romário
como relator, acabou sem conclusão, com dois relatórios divergentes e nenhum
indiciamento. Criada para investigar contratos e negociações da CBF, teve como
segundo relator o senador Romero Jucá (MDB-RR), que segundo Kajuru, entrou em
campo naquela ocasião para ajudar a blindar a CBF. “A bancada da bola era
fortíssima, não tinha com o Romário vencer sozinho”, diz Kajuru. “Agora não tem
Jucá”, acrescentou.
O senador goiano não vê danos ao futebol
brasileiro, maior paixão nacional, com a CPI. “A alegria do brasileiro não
aceita corrupção. A melhor solução é uma CPI séria, independente, com uma
apuração limpa para mostrar o submundo do futebol”, alegou.
Como anfitrião, Kajuru entrou para uma seleta
galeria de políticos que reúne desde o ex-deputado federal Paulo Maluf até o
presidente do Solidariedade, deputado federal Paulinho da Força (SP), famoso
pelo porco ao rolete, e o ex-deputado Fábio Ramalho, que promovia fartos
banquetes de comidas mineiras, inclusive no gabinete da vice-presidência da
Câmara.
A boa gastronomia sempre andou ao lado da
política em Brasília, colocando a informação à mesa e arejando os espíritos.
Nos tempos da Constituinte, ao fim do expediente, Ulysses Guimarães reunia seu
grupo para beber o “poire”, o mítico licor de pera, no saudoso Piantella.
Em 2012, com os governistas tensos com a CPI
do Cachoeira, Paulo Maluf juntou uma multidão de políticos em uma edição de sua
famosa feijoada, incluindo o vice-presidente Michel Temer (MDB). Na ocasião,
declarou à revista “Veja”: “Sou um homem bem informado porque conheço muita
gente velha; minha feijoada reuniu mais de 100 deputados, senadores,
ministros.”
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