O Estado de S. Paulo
Atualmente, assiste-se ao coletivo ser superado pelo particular. Um fenômeno que é visto nas próprias instituições do Estado
O homem é um animal gregário e, como tal, tem
necessidade indeclinável de viver em conjunto com os seus semelhantes. Para que
haja uma coexistência pacífica e harmoniosa, é imprescindível um esforço comum,
que se desdobra em vários aspectos. Entre eles, é fundamental que haja uma
clara limitação imposta pelos interesses da coletividade àqueles de natureza
exclusivamente pessoal. O bem comum como meta de todos até para que se possa
alcançar os interesses individuais.
Mas, atualmente, assiste-se ao coletivo ser superado pelo particular. Esse fenômeno é visto nas próprias instituições do Estado. Verifica-se que muitos servidores públicos colocam em seu benefício os vários setores nos quais intervêm, ao contrário de os utilizar como instrumentos de apoio e amparo aos interesses da sociedade.
Os agentes estatais têm grande dificuldade ou
não querem fazer a imprescindível distinção entre o público e o privado. O bem
de todos passa a ser individualizado. A coisa nossa se transforma em coisa
minha.
Uma observação é imprescindível: toda
generalização pode conduzir a injustiças, portanto, ressalve-se que nem todo
servidor confunde o público com o privado. São muitos os que agem com absoluta
correção e batalham pelo bem comum.
No Poder Judiciário, um fenômeno vem
alterando substancialmente o posicionamento de alguns magistrados. Trata-se do
protagonismo que veio substituir a discrição que sempre marcou os juízes
brasileiros.
Tenho a impressão de que o fenômeno teve
início com o televisionamento das sessões dos julgamentos, a partir da operação
denominada mensalão, no início dos anos de 2010, especialmente no Supremo
Tribunal Federal (STF). O Poder Judiciário, até então quase inacessível ao
público, adquiriu visibilidade a partir da conduta individual de seus
integrantes, que transmite versões diversas de uma realidade que deveria ser,
ao menos, homogênea.
A imagem da Justiça fica vinculada às
características pessoais de alguns julgadores. Exatamente aqueles que se
apresentam com maior assiduidade.
Desta forma, o povo acaba por não ter uma
visão abrangente do Judiciário, mas sim parcial. O bem administrado por este
Poder estatal, que é a distribuição da Justiça, ficou em segundo plano,
assumindo realce a conduta individual de seus integrantes.
Essa distorção da importante função estatal é
agravada por um fato que representa a própria negação de sua existência: as
decisões monocráticas. Os tribunais se justificam pela possibilidade de um
julgado individual ser revisto por vários juízes, em regra mais experientes.
São as decisões colegiadas. Essa é a razão de ser das Cortes chamadas de
superiores.
Tornaram-se comuns as apreciações de recursos
e medidas por um único membro dos tribunais. Tal fato significa que o Poder
Judiciário prioriza o singular, em detrimento do coletivo.
Ademais, há hoje uma aproximação de membros
do Poder Judiciário com segmentos sociais, num convívio mal dosado, que pode
transmitir impressões não consentâneas com a realidade. Há quem entenda
salutares os contatos de magistrados com a sociedade. Problema algum haveria,
se o seu escopo fosse desprovido de qualquer interesse diverso da simples
convivência. Mas, como as intenções dos jurisdicionados são indesvendáveis, a
mera dúvida recomenda cautela, muita cautela.
Agentes do Estado de outros órgãos também
agem em benefício próprio, pois os seus objetivos raramente coincidem com o
querer social. No Legislativo, não se dá o devido acatamento aos ideais e
anseios coletivos. A conduta parlamentar é impulsionada pela avidez de serem
alcançadas metas que se situam na esfera restrita dos desejos particulares.
Mais uma vez o bem comum é desprezado.
Por outro lado, as omissões do Poder
Executivo, em detrimento dos interesses sociais, contrariam os próprios
objetivos do Estado, que deveriam estar voltados para a supressão das
incontáveis carências de vários setores abandonados pelo poder público. Uma
ínfima parcela social supre as suas necessidades com recursos próprios ou com
os privilégios proporcionados pela proximidade com o poder. Mas a gigantesca
maioria amarga e suporta como pode as suas vergonhosas carências. Novamente,
mesquinhos interesses estimulam o contínuo abandono a que foram relegados esses
segmentos sociais.
Os privilegiados, igualmente, não respeitam o
bem comum. A solidariedade e o amor ao próximo surgem em face de pontuais
sofrimentos coletivos, mas não constituem o cotidiano, não são postos no radar
dos objetivos de cada qual.
Cobiça, substituição do ser pelo ter, consumismo, competição aética, protagonismo pessoal cobertos pelo manto nefasto do egoísmo, da insensibilidade e da falta de humanidade marcam condutas e omissões que nos distanciam da formação de um país melhor, justo e igualitário. Como condição de sobrevivência da sociedade, o bem comum deve ser restaurado.
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