quarta-feira, 10 de abril de 2024

Bernardo Mello Franco – Para as calendas

O Globo

Manobra do chefão da Câmara atende aos interesses do bolsonarismo e das big techs

O truque já é manjado em Brasília. Quando os políticos querem jogar uma ideia para as calendas, anunciam a criação de um grupo de trabalho para debatê-la. Foi o que Arthur Lira fez ontem com o projeto de lei das redes sociais.

Depois de quatro anos de espera, o chefão da Câmara informou que a proposta não será mais levada ao plenário. Alegou que não haveria apoio político para aprová-la.

Segundo Lira, o relatório do deputado Orlando Silva “foi polemizado” e estava “fadado a não ir a canto nenhum”. Com esse argumento, ele anunciou a formação de um grupo para rediscutir o tema “sem disputas político-ideológicas”. Faltou explicar como fazer isso no Congresso, onde a política e a ideologia influenciam até a escolha da cor das gravatas.

Na prática, Lira enterrou a possibilidade de a Câmara aprovar regras antes da eleição municipal. A manobra atende ao interesse das grandes plataformas, que fazem lobby pesado para manter a internet como um território sem lei.

As big techs não estão sozinhas. A extrema direita também se opõe a qualquer tipo de regulamentação das redes. Afirma que isso significaria uma ameaça à liberdade de expressão. O discurso tem sido usado para proteger radicais que incitam o ódio, propagam notícias falsas e pregam golpe de Estado.

A ofensiva de Elon Musk deixou mais claro o que está em jogo. Novo herói dos bolsonaristas, o dono do ex-Twitter passou a fazer ataques constantes ao Supremo. Acusa a Corte de impor uma ditadura ao bloquear perfis de extremistas.

Todo tribunal é passível de críticas, mas o objetivo de Musk é avacalhar a Justiça e criar um ambiente para o descumprimento de suas decisões. Ontem a Comissão de Segurança Pública da Câmara, controlada pela bancada da bala, aprovou uma moção de louvor e aplausos ao bilionário. A ver se o capitão será convidado a entregar a honraria.

Ao travar a regulação das redes, Lira força o Supremo a enfrentar mais um tema divisivo. No ano passado, os ministros chegaram a desmarcar um julgamento para deixar o Congresso decidir. Quando o caso for retomado, o chefão da Câmara vai acusar a Corte de invadir sua praia.

 

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