O Globo
Musk não é um libertário. É um cara de
negócios. Mais um motivo para o STF não se meter com tal personagem. Descumpriu
a lei? Processo nele
A primeira imagem me veio logo: Musk deixou a
bola pingando na pequena área. Xandão, centroavante rompedor, encheu o pé.
Muito possivelmente estava impedido, mas, como ninguém pediu o VAR, o gol
valeu. Mesmo porque o VAR, no caso, seria o próprio Xandão, quer dizer, o
ministro Alexandre de
Moraes. Não apenas o gol valeu, como o VAR deu falta cometida por
Musk, cartão amarelo, com ameaça de vermelho.
Logo, o centroavante/VAR levou a melhor e
conseguiu apoio de seu time. Entusiasmado, mandou ver:
— Tenho absoluta convicção de que o Supremo Tribunal Federal, a população brasileira e as pessoas de bem sabem que liberdade de expressão não é liberdade de agressão.
Filósofos, juristas, pensadores e jornalistas
— para ficar só no grupo que nos interessa no momento — têm o dever do
ceticismo. De levantar a dúvida razoável. De checar e revirar um tema de todos
os lados. “Absoluta convicção” não cai bem. É difícil para qualquer pessoa de
princípios políticos e morais ter “absoluta convicção”de qualquer coisa.
Dirão: mas o ministro escolheu um bom ponto.
Difícil discordar da sentença “liberdade de expressão não é liberdade de
agressão”. E por que é difícil? Porque é tremenda obviedade. Usando recurso
clássico de oratória, a repetição do óbvio, o ministro seguiu: “Liberdade de
expressão não é liberdade para a proliferação do ódio, do racismo, da
misoginia, da homofobia… de defesa da tirania”.
Está na cara, não é?! Posso até ameaçar
alguém no auge de uma discussão — “vou te pegar na saída”—, mas não posso
atirar no meu inimigo. Claro, não precisam me dizer: se ameaço alguém e ponho
um capanga armado seguindo o cara, a coisa mudou de figura. Musk ameaçou não
cumprir decisões da Justiça brasileira. O que é diferente de não cumprir. Mas o
ministro partiu para a briga, ameaçou de volta — e não é o que se espera da
Corte Suprema.
Convém, portanto, bagunçar o óbvio. Liberdade
de expressão: há doutrinas diferentes que abrem ou restringem esse direito
individual. Nos Estados Unidos, a liberdade de discurso é mais ampla do que se
entende no Brasil. Lá, você fala o que quiser, publica o que quiser. Quem se
sentir ofendido ou ameaçado vai aos tribunais, onde se discutirá, de um lado,
se foi dada uma informação, a simples expressão de uma opinião, um ponto de
vista, ou, de outro, uma ofensa pessoal (calúnia, injúria, difamação) ou ameaça
à segurança nacional.
Aqui no Brasil, estamos diante de uma questão
grave: o andamento do megainquérito das fake news, conduzido por Moraes, que
agora inclui Musk. Sem falar no longo prazo do segredo de Justiça imposto a
diversos pontos do processo, há uma tendência de tentar barrar as fake news
(mais a agressão, o ódio etc.) antes que o discurso seja dito, publicado na
imprensa tradicional ou nas redes. Prevalecendo essa tendência e essa prática,
lógico que haverá censura.
E aqui estamos prontos para tumultuar tudo: o
que é fake news? Se nullum crimen nulla poena sine previa lege, ninguém pode
ser acusado ou condenado por divulgar fake news porque a lei brasileira não diz
o que é isso. Pois é, o projeto está na Câmara. Estava parado, agora está no
tumulto.
Tem mais: se for definido o que é fake news,
o que está longe de ser simples, caímos em mais duas questões. Primeiro, quem
fará a lista das fake news? Segundo, quem será o censor encarregado de
identificá-las e barrá-las antes da divulgação? Um jornal, uma emissora de
televisão ou uma rádio terão de censurar seus jornalistas? As redes sociais
terão de criar algoritmos para capturar e tirar do ar as fake news e discursos
considerados — por que autoridade? — de ódio, etc.?
Vamos deixar claro: Elon Musk não
é um libertário. É um homem de negócios. A China veta o X, mas Musk não está
nem aí enquanto produzir seus Teslas por lá. Mais um motivo para o STF não se
meter numa briga com tal personagem. Descumpriu a lei? Processo nele.
Tudo considerado, é preciso fazer a lei e
regulamentar a mídia digital. Concluo com José Paulo Cavalcanti Filho: “Não
pode ter censura. O mais, é o Código Penal. Simples assim”.
É,o código penal faz o serviço.
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