sábado, 6 de abril de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - O crime é global

O Globo

Nos EUA, a Trafigura confessa suborno, pede desculpas e paga multa. Por aqui, grandes empresas ‘desconfessam’ e ganham cancelamento de multas

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, Sigurd Bengtsson, ainda tentou: não estamos julgando a Lava-Jato, disse na abertura do processo de cassação de Sergio Moro. Se é assim, o relator do caso, desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza, concluiu, em longo e detalhado voto, que as denúncias de abuso de poder econômico eleitoral, fato determinado, estão muito perto do ridículo. Absolveu Moro, mantendo, pois, o mandato de um senador eleito por quase 2 milhões de votos.

O segundo desembargador a votar, José Rodrigo Sade, recém-empossado e indicado por Lula, aceitou as denúncias apresentadas pelo PL de Bolsonaro e pelo PT de Lula e condenou Moro. Entendeu que o senador gastou dinheiro de maneira irregular em suas campanhas e pré-campanhas.

Fora do ambiente estrito dos tribunais, todo mundo sabe que o caso é de vingança. O que, além disso, poderia unir bolsonaristas e petistas? Algum princípio político? Ético? Uma tese jurídica defendida ao mesmo tempo pelo advogado Guilherme Ruiz Neto, representando o PL, e pelo grupo petista Prerrogativas?

Se a coisa tem, sim, a ver com a vingança contra a Lava-Jato — da parte do PT —, o momento deu ruim. Justo nestes dias, uma empresa de Cingapura, a Trafigura, informou ter feito acordo com o Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA, pelo qual pagará multa de US$ 127 milhões por confessar a prática de suborno. Mais exatamente: “Por mais de uma década, a Trafigura subornou autoridades brasileiras para obter negócios ilegalmente e obter mais de US$ 61 milhões em lucros”, como explicou Nicole Argentieri, chefe da divisão criminal do DOJ.

Suborno refere-se a negócios com a Petrobras. Que década? De 2003, governo Lula, a 2014, administração Dilma. Foi a Lava-Jato que desvendou a história — assim como apanhou também concorrentes da Trafigura, como as companhias Vitol Group e Glencore, que já haviam admitido o pagamento de subornos no Brasil, também para encerrar investigações de corrupção lá fora.

Pode parecer que estamos nos desviando do caso do TRE de Curitiba, mas é bem o contrário. Para desqualificar inteiramente a Lava-Jato e colocar na cadeia seus condutores, seria preciso demonstrar que não houve corrupção alguma. Nem nos tribunais nem nas instituições políticas brasileiras foi possível fazer isso. O que levou ao expediente de anular processos, por artimanhas formais, eliminada qualquer possibilidade de chegar a alguma sentença, de condenação ou absolvição.

Acusar Moro de abuso econômico é uma dessas jogadas. Assim como ocorreu na cassação de Deltan Dallagnol pelo TSE. Ele foi considerado inelegível por ter renunciado ao cargo de procurador não para se candidatar a deputado federal (e se eleger), mas para fugir a um possível (talvez, quem sabe...) processo futuro de má conduta na Lava-Jato. Acusam Moro e Dallagnol de formar uma “organização criminosa”, mas tratam de afastá-los da política por suposições mal fundadas. Dois prejuízos para o país: primeiro, não se faz uma ampla e imparcial análise da Lava-Jato; segundo, não se discute o peso da corrupção na economia brasileira.

Enquanto nossos tribunais se afundam nessas manobras, vem o DOJ dos Estados Unidos com um fato: a Trafigura confessa suborno, pede desculpa e paga multa. Por aqui, grandes empresas “desconfessam” e ganham o cancelamento do pagamento de multas.

Seria isso uma reação nacionalista ao imperialismo americano?

Parece absurdo, é absurdo, mas vira e mexe o presidente Lula e o PT dizem que a “suposta” corrupção na Petrobras foi uma conspiração dos Estados Unidos para liquidar empreiteiras brasileiras. A prova seria a ação do DOJ. Ora, o DOJ age porque o mercado de commodities — petróleo, no caso — é global e afeta diversos países e acionistas do mundo todo. A corrupção na Petrobras ou na estatal da Costa do Marfim é um fato global.

Vai daí que um governo local pode tentar esconder ou mudar a narrativa, mas não apaga a história global. E real. Talvez por isso também falem tão mal da globalização.

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