O Globo
Passou da hora de a questão política deixar
de ser posta em termos de esquerda x direita, e mudar o eixo para democracia x
autoritarismo
O maior estrago do 8 de Janeiro não foi nas
obras de arte (uma centena delas, perdidas para sempre) ou nas vidraças da
Praça dos Três Poderes, mas na crença de que, escaldados por 21 anos de
ditadura, estaríamos vacinados contra a sedução do autoritarismo. Não estamos e
— humanos, demasiadamente humanos que somos — talvez nunca venhamos a estar.
Apesar das provas incontestáveis de que a democracia produz mais desenvolvimento (“O PIB de longo prazo aumenta cerca de 20-25% nos 25 anos seguintes a uma democratização”, concluiu o economista Daron Acemoglu em 2019), continuamos fascinados pelo mito do bom tirano, do outsider que varrerá o lixo da política tradicional e nos conduzirá, por decreto, a pastos mais verdejantes. Ignoramos o que a História está rouca de contar e, como cantou Lupicínio, insistimos em ir ao inferno à procura de luz.
Augusto de Franco, em seu “Como as
democracias nascem”, vai ao ponto:
— Não há saída sem política e fora da
democracia. (...) A defesa da democracia e a correção de suas imperfeições só
podem ser obtidas pela política e com mais democracia.
Regimes perfeitos são utopia, mas alguns têm
mecanismos de autocorreção — as autocracias, não. Como escreveu Martin Wolf, “o
grande argumento para a democracia não é que ela produzirá um bom governo, mas
que impedirá um governo terrível”.
Por isso, assim como não deveria importar se
o cidadão é ateu ou religioso, mas se é inteligente ou intolerante — nem se é
preto ou branco, mas racista ou racional —, passou da hora de a questão
política deixar de ser posta em termos de esquerda x direita e mudar o eixo
para democracia x autoritarismo.
Num gráfico em que os vetores apontem para
uma e outra ideologia, veremos que Lula e
Bolsonaro se distanciam consideravelmente. Alterando os parâmetros para
pendores autoritários e apreço aos valores democráticos, ei-los juntinhos, do
mesmo lado — o lado sombrio da Força.
Cada um tem suas tiranias de estimação: Lula
afaga Maduro e oferece o ombro amigo a Díaz-Canel; Bolsonaro roça os cotovelos
com Modi e vai pedir colo a Orbán. Demagogos e populistas, nenhum dos dois
hesita em participar do ménage proposto por Putin.
Bolsonaro despreza abertamente a democracia —
tentou solapá-la outro dia mesmo; Lula encena simpatia — mas, desde o primeiro
mandato, segue firme no propósito de corrompê-la por dentro. E por que
continuamos a vê-los como antípodas, não como corda e caçamba?
Na teoria, essa esquerda que nos coube e essa
direita que nos restou parecem estar em polos opostos quanto a meio ambiente,
representatividade, laicidade do Estado, liberdade de expressão etc. Mas é só
raspar com a unha e veremos como a diferença é cosmética.
A estratégia para escapar dessa dicotomia é
experimentar novas referências. Entre Tabata Amaral (“Mas ela é de esquerda!”)
e Eduardo Leite (“Mas ele é de direita!”), querer saber como veem o papel da
imprensa, os direitos humanos, a sustentabilidade. Entre Tarcísio (“Cria do
fascista!”) e Haddad (“Laranja do presidiário!”), investigar seu compromisso
com a responsabilidade fiscal, com a lisura na administração da coisa pública.
E, claro, seu viés liberal ou liberticida.
Esquerda ou direita serão apenas cores nas
bandeiras. E as bandeiras que importam são outras.
É impressionante o medo que os pseudoliberais têm da real e tradicional distinção Esquerda X Direita! Os coitados não têm coragem de se assumirem como Direita, e ficam escondidos dentro do armário direitoso publicando suas fantasias... Cresce, Eduardo! Parece um menininho mimado...
ResponderExcluirEduardo, deixe o grande Copérnico longe dos teus delírios!
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