sábado, 6 de abril de 2024

Eduardo Affonso - Pequena revolução copernicana

O Globo

Passou da hora de a questão política deixar de ser posta em termos de esquerda x direita, e mudar o eixo para democracia x autoritarismo

O maior estrago do 8 de Janeiro não foi nas obras de arte (uma centena delas, perdidas para sempre) ou nas vidraças da Praça dos Três Poderes, mas na crença de que, escaldados por 21 anos de ditadura, estaríamos vacinados contra a sedução do autoritarismo. Não estamos e — humanos, demasiadamente humanos que somos — talvez nunca venhamos a estar.

Apesar das provas incontestáveis de que a democracia produz mais desenvolvimento (“O PIB de longo prazo aumenta cerca de 20-25% nos 25 anos seguintes a uma democratização”, concluiu o economista Daron Acemoglu em 2019), continuamos fascinados pelo mito do bom tirano, do outsider que varrerá o lixo da política tradicional e nos conduzirá, por decreto, a pastos mais verdejantes. Ignoramos o que a História está rouca de contar e, como cantou Lupicínio, insistimos em ir ao inferno à procura de luz.

Augusto de Franco, em seu “Como as democracias nascem”, vai ao ponto:

— Não há saída sem política e fora da democracia. (...) A defesa da democracia e a correção de suas imperfeições só podem ser obtidas pela política e com mais democracia.

Regimes perfeitos são utopia, mas alguns têm mecanismos de autocorreção — as autocracias, não. Como escreveu Martin Wolf, “o grande argumento para a democracia não é que ela produzirá um bom governo, mas que impedirá um governo terrível”.

Por isso, assim como não deveria importar se o cidadão é ateu ou religioso, mas se é inteligente ou intolerante — nem se é preto ou branco, mas racista ou racional —, passou da hora de a questão política deixar de ser posta em termos de esquerda x direita e mudar o eixo para democracia x autoritarismo.

Num gráfico em que os vetores apontem para uma e outra ideologia, veremos que Lula e Bolsonaro se distanciam consideravelmente. Alterando os parâmetros para pendores autoritários e apreço aos valores democráticos, ei-los juntinhos, do mesmo lado — o lado sombrio da Força.

Cada um tem suas tiranias de estimação: Lula afaga Maduro e oferece o ombro amigo a Díaz-Canel; Bolsonaro roça os cotovelos com Modi e vai pedir colo a Orbán. Demagogos e populistas, nenhum dos dois hesita em participar do ménage proposto por Putin.

Bolsonaro despreza abertamente a democracia — tentou solapá-la outro dia mesmo; Lula encena simpatia — mas, desde o primeiro mandato, segue firme no propósito de corrompê-la por dentro. E por que continuamos a vê-los como antípodas, não como corda e caçamba?

Na teoria, essa esquerda que nos coube e essa direita que nos restou parecem estar em polos opostos quanto a meio ambiente, representatividade, laicidade do Estado, liberdade de expressão etc. Mas é só raspar com a unha e veremos como a diferença é cosmética.

A estratégia para escapar dessa dicotomia é experimentar novas referências. Entre Tabata Amaral (“Mas ela é de esquerda!”) e Eduardo Leite (“Mas ele é de direita!”), querer saber como veem o papel da imprensa, os direitos humanos, a sustentabilidade. Entre Tarcísio (“Cria do fascista!”) e Haddad (“Laranja do presidiário!”), investigar seu compromisso com a responsabilidade fiscal, com a lisura na administração da coisa pública. E, claro, seu viés liberal ou liberticida.

Esquerda ou direita serão apenas cores nas bandeiras. E as bandeiras que importam são outras.


2 comentários:

  1. É impressionante o medo que os pseudoliberais têm da real e tradicional distinção Esquerda X Direita! Os coitados não têm coragem de se assumirem como Direita, e ficam escondidos dentro do armário direitoso publicando suas fantasias... Cresce, Eduardo! Parece um menininho mimado...

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  2. Eduardo, deixe o grande Copérnico longe dos teus delírios!

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