sábado, 20 de abril de 2024

Carlos Góes - A economia da guerra às drogas

O Globo

O Senado aprovou na terça-feira a PEC sobre drogas. O projeto emenda o artigo 5º da Constituição (aquele dos direitos individuais, que é cláusula pétrea) e determina que a “posse ou porte” de qualquer quantidade de droga é crime, salvo explícita autorização legal. A PEC se contrapõe à regulamentação do porte e produção da maconha para uso pessoal, em discussão no Supremo Tribunal Federal.

Não há dúvida de que essa discussão é de extrema relevância para o país. O alto nível de violência no Brasil tem custos humanos, sociais e econômicos. Em um estudo da Presidência da República de alguns anos atrás, estimou-se que os custos da criminalidade para o país chegam a 4,4% do PIB ao ano.

Esse contexto permeou o debate. Entre argumentos contrários, foi mencionado que a legalização da maconha em outros países teria “aumentado o número de dependentes entre os jovens” e ampliado “o tráfico de drogas e o crime organizado.”

Mas, afinal, o que realmente sabemos sobre esse assunto?

Antes de mais nada, é preciso entender o mercado das drogas. Gary Becker, prêmio Nobel de Economia, foi um dos pioneiros a pensar essas questões, ainda na década de 1980.

Em teoria, uma repressão à produção de determinado bem ilícito pode tanto aumentar ou reduzir a receita total dos traficantes. A resposta depende do comportamento dos consumidores.

A repressão à produção tende a aumentar os custos de produção e comercialização e, com eles, o preço desses produtos. Mas se a procura por eles não cair muito com o aumento dos preços, os traficantes acabam elevando sua receita.

Pense, por exemplo, no consumo de combustível. Se o preço subir, algumas pessoas podem até tentar trocar o carro pelo metrô. Mas um grande contingente de pessoas continua dirigindo. Com isso, a receita de quem vende combustível aumenta. Em economês, chamamos esses de “bens inelásticos”.

E o que acontece com o consumo de drogas quando há um aumento de seus preços?

Três economistas, Adam Davis, Karl Geisler e Mark Nichols, utilizaram dados disponíveis em sites de compra e venda de maconha nos EUA para estimar essa relação. Eles concluem que, depois de aumentos de preços, a demanda cai, mas não o suficiente para levar a uma perda de receita.

Isso não é completamente inesperado, já que entorpecentes podem levar ao vício, e esses usuários não devem ser muito sensíveis ao preço. Portanto, é preciso ter cuidado com potenciais consequências não intencionais da repressão, já que essa evidência sugere que a guerra às drogas pode aumentar a receita dos traficantes.

E quanto ao argumento de que a legalização aumentaria o tráfico?

O psiquiatra Michael Amlung e uma equipe de economistas e psicólogos sociais estudaram isso com experimentos comportamentais. O foco deles era saber até que ponto o produto ilegal é um substituto ao produto legalizado.

Eles concluem que, de fato, esses produtos são substitutos. Ou seja, se o preço da maconha legalizada for suficientemente alto, as pessoas consumiriam o produto ilegal. Contudo, elas estão dispostas a pagar mais para ter um produto legal e regulado.

Pelos mesmos motivos, o acesso ao produto legalizado pode reduzir o mercado do produto ilegal. Evelina Gavrilova, Takuma Kamada e Floris Zoutman, três economistas, estudaram o efeito da expansão da maconha medicinal nos EUA sobre a violência em estados mexicanos que são controlados pelo tráfico. Eles mostram que a violência caiu quando estados vizinhos ao México legalizaram a maconha medicinal. A lógica é que o produto ilegal tenha sido substituído pelo legal, levando a uma queda nas receitas do tráfico e da violência consequente dele.

Finalmente, não há nenhuma evidência sistemática indicando que a maconha pode servir de “porta de entrada”. Numa recente revisão da literatura, os economistas Mark Anderson e Daniel Rees analisaram 20 estudos que indicam que não há evidência de que a descriminalização leva ao aumento do uso entre adolescentes.

Claro, há também consequências negativas. Por exemplo, há um relativo consenso entre os estudos que indica que a legalização da maconha leva a um aumento das fatalidades no trânsito.

No fim, é preciso considerar que as políticas defendidas podem levar a consequências, por vezes, contrárias às desejadas. Se concordarmos todos com o objetivo de um país menos violento e mais próspero, vamos discordar somente em como chegar lá. E a melhor evidência empírica disponível deve apontar o caminho.

 

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