O Globo
O Senado aprovou na
terça-feira a PEC sobre drogas. O projeto emenda o artigo 5º da
Constituição (aquele dos direitos individuais, que é cláusula pétrea) e
determina que a “posse ou porte” de qualquer quantidade de droga é crime, salvo
explícita autorização legal. A PEC se contrapõe à regulamentação do porte e
produção da maconha para uso pessoal, em discussão no Supremo Tribunal Federal.
Não há dúvida de que essa discussão é de extrema relevância para o país. O alto nível de violência no Brasil tem custos humanos, sociais e econômicos. Em um estudo da Presidência da República de alguns anos atrás, estimou-se que os custos da criminalidade para o país chegam a 4,4% do PIB ao ano.
Esse contexto permeou o debate. Entre
argumentos contrários, foi mencionado que a legalização da maconha em outros
países teria “aumentado o número de dependentes entre os jovens” e ampliado “o
tráfico de drogas e o crime organizado.”
Mas, afinal, o que realmente sabemos sobre
esse assunto?
Antes de mais nada, é preciso entender o
mercado das drogas. Gary Becker, prêmio Nobel de Economia, foi um dos pioneiros
a pensar essas questões, ainda na década de 1980.
Em teoria, uma repressão à produção de
determinado bem ilícito pode tanto aumentar ou reduzir a receita total dos
traficantes. A resposta depende do comportamento dos consumidores.
A repressão à produção tende a aumentar os
custos de produção e comercialização e, com eles, o preço desses produtos. Mas
se a procura por eles não cair muito com o aumento dos preços, os traficantes
acabam elevando sua receita.
Pense, por exemplo, no consumo de
combustível. Se o preço subir, algumas pessoas podem até tentar trocar o carro
pelo metrô. Mas um grande contingente de pessoas continua dirigindo. Com isso,
a receita de quem vende combustível aumenta. Em economês, chamamos esses de
“bens inelásticos”.
E o que acontece com o consumo de drogas
quando há um aumento de seus preços?
Três economistas, Adam Davis, Karl Geisler e Mark Nichols, utilizaram dados
disponíveis em sites de compra e venda de maconha nos EUA para estimar essa
relação. Eles concluem que, depois de aumentos de preços, a demanda cai, mas
não o suficiente para levar a uma perda de receita.
Isso não é completamente inesperado, já que
entorpecentes podem levar ao vício, e esses usuários não devem ser muito
sensíveis ao preço. Portanto, é preciso ter cuidado com potenciais
consequências não intencionais da repressão, já que essa evidência sugere que a
guerra às drogas pode aumentar a receita dos traficantes.
E quanto ao argumento de que a legalização
aumentaria o tráfico?
O psiquiatra Michael
Amlung e uma equipe de economistas e psicólogos sociais estudaram
isso com experimentos comportamentais. O foco deles era saber até que ponto o
produto ilegal é um substituto ao produto legalizado.
Eles concluem que, de fato, esses produtos
são substitutos. Ou seja, se o preço da maconha legalizada for suficientemente
alto, as pessoas consumiriam o produto ilegal. Contudo, elas estão dispostas a
pagar mais para ter um produto legal e regulado.
Pelos mesmos motivos, o acesso ao produto
legalizado pode reduzir o mercado do produto ilegal. Evelina Gavrilova, Takuma Kamada e Floris Zoutman, três
economistas, estudaram o efeito da expansão da maconha medicinal nos EUA sobre
a violência em estados mexicanos que são controlados pelo tráfico. Eles mostram
que a violência caiu quando estados vizinhos ao México legalizaram a maconha
medicinal. A lógica é que o produto ilegal tenha sido substituído pelo legal,
levando a uma queda nas receitas do tráfico e da violência consequente dele.
Finalmente, não há nenhuma evidência
sistemática indicando que a maconha pode servir de “porta de entrada”.
Numa recente revisão da literatura, os economistas Mark Anderson e
Daniel Rees analisaram 20 estudos que indicam que não há evidência de que a
descriminalização leva ao aumento do uso entre adolescentes.
Claro, há também consequências negativas. Por
exemplo, há um relativo consenso entre os estudos que indica que a legalização
da maconha leva a um aumento das fatalidades no trânsito.
No fim, é preciso considerar que as políticas
defendidas podem levar a consequências, por vezes, contrárias às desejadas. Se
concordarmos todos com o objetivo de um país menos violento e mais próspero,
vamos discordar somente em como chegar lá. E a melhor evidência empírica
disponível deve apontar o caminho.
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