Folha de S. Paulo
Congresso e STF tardam no antídoto contra o
veneno das redes
Elon Musk está
para a liberdade de expressão como Bolsonaro está
para a democracia e Ives
Gandra para a interpretação constitucional. Como Damares Alves está
para o amor em Cristo, Sergio Moro para
o combate à corrupção e generais para a defesa da Constituição.
Esse autoapelidado "absolutista da liberdade de expressão" se deleita no seu poder de violar a lei sem consequência e de atiçar a turba de extremistas que prestam serviços gratuitos aos seus negócios. Com o requinte de sequestrar o símbolo da liberdade e depositar sua delinquência na conta do nosso maior ideal emancipatório.
Há um primeiro problema, de ordem individual:
a hipocrisia. Ao mesmo tempo que libera
discurso ilegal em sua plataforma (e até paga advogado para pessoas
processadas por esse discurso), reduziu transparência das regras e não
economiza esforços em silenciar críticos e suspender contas de jornalistas.
Sabe-se que objeções à guerra em Gaza, por
exemplo, foram retiradas do ar e acordos de silêncio abusivos impostos a seus
empregados.
Sua plataforma e sua conduta estão bem mais
próximas de incendiar a democracia e potencializar seus negócios do que de
promover as condições da liberdade.
Há um segundo problema. A liberdade, na
história, não tem sido invocada só como argumento jurídico de defesa contra a
perseguição, o arbítrio e a tortura, mas como pretexto para perseguir e
torturar. Recurso retórico de personalidades autoritárias e regimes
autoritários, essa manipulação é capítulo obrigatório da cartilha bolsonarista.
Reflete a liberdade pré-civil e pré-jurídica
de matar ou morrer, de expropriar com as próprias mãos, de obedecer apenas a
instintos e ignorar limites coletivos. É a liberdade invocada pelo sonegador,
abusador familiar, desmatador, garimpeiro em terra indígena e grileiro em terra
pública.
A liberdade de Elon Musk ainda vai além. Dada
a magnitude da riqueza que acumula e a disparidade de poder que dispõe,
consegue, ao contrário do capitão do mato, praticar a delinquência sem medo.
Vale-se da lei do mais forte sem o risco da violência pelas costas. A liberdade
de plutocratas num mundo de profunda desigualdade não é mais pré, mas
pós-civil. Não surpreende que comecem a planejar bunkers do apocalipse, países
flutuantes, moradias espaciais.
Um terceiro problema: na ausência de
transparência, moderação, responsabilização por abusos e remuneração por
conteúdos, e no vazio de regulação jurídica criteriosa, plataformas digitais
estimulam uma tentadora ilusão de liberdade. Não sabemos quando o algoritmo nos
silencia ou vocaliza uma ideia, não sabemos quem escuta e quem é privado de
escutar.
Sabemos que algoritmo rentável nesse modelo
de negócios não admite pluralismo e equilíbrio. Dopamina, emoções primárias e
notícia falsa dão mais lucro.
Promotores de ódio impulsionados por robôs da
radicalização têm vitória
garantida nesse espaço. Mas há os que acreditam estar numa praça pública
digital com um microfone na mão.
Entendidos que valores Elon Musk pratica, que
grupos alimenta e que riscos políticos semeia, STF e Congresso têm
tardado em neutralizar o perigo e produzir um antídoto à altura do veneno.
Toffoli prometeu
pautar processo sobre responsabilidade de plataformas. O caso dorme em sua
gaveta desde 2017. Decidiu sozinho esperar
o legislador. E o legislador até agora paralisado, menos por dúvidas
existenciais do que pelo milionário lobby de plataformas. Arthur Lira retirou
o deputado Orlando Silva da relatoria e jogou fora anos de trabalho. A omissão
do Congresso deixa o STF vendido.
Toffoli até se deu o direito de encontrar
Musk, num inusitado evento de bajulação promovido pelo ex-ministro Fábio Faria e
Bolsonaro num condomínio privado paulista. Era maio de 2022. Meses antes,
passava férias na casa de praia de Fábio Faria. Meses depois, anulava as provas
de corrupção contra o pai de Fábio Faria. Goza da liberdade de ferir a
credibilidade do STF.
Alexandre
de Moraes deve saber que o cheque em branco que recebeu para enfrentar
as ameaças e tentativas de ruptura em 2022 e 2023 traz uma armadilha. Não tem
conseguido convencer, com argumentos públicos, que as medidas cautelares, as
remoções de conta e os sigilos que impõe, até mesmo a advogados, são
necessários e proporcionais.
Entoar o mantra "liberdade de expressão
não é liberdade de agressão nem de destruição da democracia" já não basta.
Excelente! Parabéns ao autor, e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirValeu!
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