Folha de S. Paulo
Ministro é o santo que tenta persuadir
presidente a curvar-se à realidade econômica
Não existe almoço grátis. Lula sonha ter, ao
mesmo tempo, aumento real de gastos públicos, inflação dentro da meta e juros
baixos. Mas a economia é implacável: o Brasil só pode obter duas dessas três
coisas. Fernando Haddad é o santo que, sob implacável "fogo amigo",
tenta persuadir o presidente a curvar-se à realidade econômica.
No início do governo, a expansão fiscal da
PEC da Transição e a persistência de pressões inflacionárias exigiam uma
política monetária apertada. O BC cumpriu sua missão, impondo a renúncia a
juros baixos. Roberto Campos Neto tornou-se o bode expiatório perfeito para o
Planalto e o PT, que tendem a identificar as leis econômicas à vontade de
perversos especuladores "da Faria Lima".
Foi então que entrou em cena Haddad, o prestidigitador, com seu arcabouço fiscal: a promessa de contenção dos gastos públicos. No fundo, a complexa geringonça não garantia equilíbrio fiscal nem, menos ainda, uma trajetória de redução da dívida pública. Entretanto, no horizonte de curto prazo, alterou as expectativas, propiciando a redução dos juros com controle inflacionário.
Efetivamente, era um programa de crescimento
moderado da dívida pública, em troca do afrouxamento paulatino da política
monetária. Os agentes econômicos entenderam a mensagem, mas abraçaram o
mensageiro. Sem ele, concluíram, ninguém evitaria o aventureirismo fiscal de um
presidente que acredita em almoço grátis.
Haddad, o equilibrista, não teve um único dia
de sossego. A gradual redução da taxa de juros afastou Campos Neto da alça de
mira e o discurso do negacionismo econômico voltou-se para o ministro da
Fazenda. Lula exibiu publicamente seu desprezo pela meta de déficit zero.
Gleisi e companhia bombardearam uma "política fiscal contracionista",
exigindo a expansão acelerada dos gastos estatais e, portanto, um crescimento
desenfreado da dívida pública.
Haddad, o mestre da conciliação, precisa
criar espaço para investimento e, simultaneamente, curvar-se ao tabu lulista
que impugna como "neoliberal" qualquer tentativa de reformar as
despesas públicas obrigatórias. Sem o direito de mexer em despesas que crescem
inercialmente e representam 92% do Orçamento federal, o ministro da sofrência
engajou-se na ingrata empreitada de obter receitas extraordinárias. Cavou fundo
em busca de tesouros escondidos, garimpou o leito de rios inférteis –até, exausto,
jogar a toalha.
"Ano que vem em Jerusalém": a meta
de superávit de 0,5% do PIB foi transferida de 2025 para 2027 e a quimera de
superávit de 1% ficou para 2028. O FMI e o mercado fizeram seus próprios
cálculos, cravando déficits sucessivos até 2027. Na prática, o novo programa
fiscal implica crescimento acelerado da dívida pública, que deve romper a
barreira de 90% do PIB em 2026. Lula deixará uma bomba fiscal no colo do
próximo presidente.
No ciclo petista anterior, abençoado por um
céu global sem nuvens, a catástrofe fiscal demandou três mandatos. Ao contrário
de Lula, Haddad sabe que, sob as nuvens plúmbeas que circulam pelo mundo, a
janela do negacionismo feliz tornou-se mais curta. Ele não quer ser Mantega –e
não quer que Lula seja Dilma. Mas, à medida que sua palavra perde
credibilidade, a política econômica transforma-se numa coleção de gestos
reativos desconexos.
Haddad vai para o céu, mesmo que seu corpo
físico permaneça na Fazenda. Sem âncora fiscal eficaz, teremos que optar entre
descontrole inflacionário e um novo aperto da política monetária. O comando do
BC troca de mãos no primeiro dia de 2025. O conselho de Campos Neto ao sucessor
é "ter a firmeza de dizer não quando necessário". O impulso de Lula
será indicar alguém incapaz de dizer-lhe não. Meu conselho ao novo timoneiro:
estude a história recente da Turquia. Lá, o negacionismo econômico fabricou
inflação, recessão e um espetacular fracasso eleitoral.
Excelente!
ResponderExcluirCrítica oportuna.
ResponderExcluirMagnoli entende tanto de Economia quanto Lula de Astronomia. A vaidade e a pretensão do colunista são tão infinitas quanto o Universo.
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