terça-feira, 23 de abril de 2024

Eliane Cantanhêde – O professor e o pupilo

O Estado de S. Paulo

Entre um livro e outro, Haddad tirou 10 na articulação política. E Lula?

Ao lançar o programa Acredita, para financiar pequenas empresas, ativar o consumo e aquecer a economia, o presidente Lula cobrou de Fernando Haddad que converse mais com o Congresso, em vez de ficar lendo livros. Meio brincadeirinha, meio puxão de orelhas, a frase suscitou uma dúvida: e se o professor Haddad revidar? “Chefe, por que o sr. não lê mais livros, artigos e reflexões para se atualizar, em vez de falar tanta bobagem na economia e na política externa?”

A fala de Lula aumenta a sensação de que algo não vai bem na relação dele com Haddad, o dileto pupilo político que ocupou seu lugar na cabeça de chapa de 2018 e tem sido de uma lealdade a toda prova, apesar de tudo. Haddad anda com ar cansado, despenteado, sem o vigor de 2023, quando foi a melhor surpresa e o grande troféu do governo.

Ao configurar um governo de coalizão aberto a praticamente todos os partidos e forças políticas, Lula não conseguiu atingir evangélicos e o agronegócio, que têm enorme alcance na sociedade, montanhas de votos, uma dinheirama incontável e… sólidas bases no Congresso. Em vez de ganhar, Lula parece estar perdendo apoio de ambos.

Logo, Haddad foi mais eficiente na sua, digamos, articulação política: entre um livro e outro, ele se aproximou do mundo financeiro, do empresarial, de economistas de diferentes vertentes, do Supremo, do

Banco Central, de jornalistas e, claro, da cúpula do Congresso. Não cedeu além do necessário, mas, sim, falou muito, ouviu muito e ganhou o principal, credibilidade. Bom para ele, melhor ainda para o governo, mas Lula parece menosprezar.

Houve embates sobre gastos, déficit zero, tributação de bugigangas importadas e, virava e mexia, lá estava o ministro da Fazenda tendo de engolir cobras e lagartos. De Rui Costa, internamente. De Gleisi Hoffmann, publicamente. De Lula, nas duas frentes, interna e pública. Haddad vinha suportando bem, a ponto de analistas deduzirem que era “jogo combinado”. Será?

Ele entrou em 2024 devagar. Errou na MP da reoneração da folha de pagamentos, perdeu o timing da regulamentação da reforma tributária e teve de jogar a toalha no superávit fiscal em 2025 e 2026, ou seja, no governo Lula. Isso tudo, embolado com pautas-bomba do Congresso e sinalizações de Lula na Petrobras, Vale, política externa e gastança, esgarça a confiança no governo e afasta investidores.

Se, no fim, tudo se ajeitar, o Brasil crescer, a inflação dos alimentos recuar, os juros mantiverem o ritmo de queda e as pesquisas reagirem positivamente, Lula será o grande vencedor. Se não der, já temos um bode expiatório. Quem mandou ler demais?

 

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