Valor Econômico
Prazo curto para análise da regulamentação é ponto de preocupação de deputados e senadores
Quatro meses após a promulgação da emenda
constitucional da reforma tributária sobre o consumo, deve chegar hoje ao
Congresso Nacional um projeto de lei complementar que detalhará as principais
mudanças. Dirá como funcionarão o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo, criados na
reforma.
“O que colocaremos na mesa é a base sobre a
qual será feita a discussão no Parlamento”, afirmou ontem o secretário especial
da Reforma Tributária, Bernard Appy, em almoço com a Frente Parlamentar do
Empreendedorismo (FPE), durante o qual foi chamado de “deputado” por engano. “A
palavra final é de vocês.”
Com o texto ainda tramitando no Executivo, ele não adiantou nenhum detalhe de conteúdo. Disse apenas que serão cerca de 500 artigos distribuídos em perto de 300 páginas. No entanto, a parte que traz as regras gerais sobre o IBS e o CBS é pequena e muito objetiva, assegurou.
O texto ficou grande porque descreve os
regimes especiais de tributação (sistema financeiro e combustíveis, por
exemplo), e por causa dos anexos (como itens da cesta básica).
A boa notícia, disse, é que há oito páginas
de revogações de leis. O secretário não escondeu a satisfação com o fim do
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) após 2033. “Dá
gosto”, brincou. O ICMS é uma espécie de vilão da complexidade tributária
brasileira.
Sem poder explicar a proposta, o secretário
se colocou à disposição para ouvir. Por isso, foi elogiado.
Na Câmara dos Deputados, onde o projeto
começa a tramitar, há uma preocupação quase unânime: o receio de que as leis
acabem não refletindo com exatidão os princípios e os acordos presentes na
emenda constitucional.
Dois princípios básicos precisam ser
preservados, disse à coluna o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP): o da não
cumulatividade e o da não elevação da carga tributária. É preciso cuidado para
que a legislação complementar não acabe, na prática, se desviando do texto
constitucional.
O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) dá
um exemplo de problema que pode ocorrer. A não cumulatividade, considerada um
dos principais ganhos da reforma, garante que a empresa possa abater, em
determinada etapa do processo de produção, os tributos recolhidos na etapa
anterior. Existe o receio que a lei complementar condicione o abatimento ao
efetivo pagamento dos tributos na etapa anterior.
O coordenador da FPE, deputado Joaquim
Passarinho (PL-PA), acha inevitável que haja aumento de carga tributária. Ela
ficará igual no conjunto da economia, mas poderá aumentar em alguns setores,
comentou.
Sem entrar em detalhes, Appy assegurou que os
dois pontos de preocupação estão contemplados na proposta.
“Para que os princípios da reforma sejam
preservados, precisamos que a regulamentação não ocorra de forma fragmentada”,
comentou Jardim. “Ou seja, os projetos precisam ter compatibilidade entre
eles.”
Além do projeto que deve ser encaminhado
hoje, haverá uma proposição que trata do Comitê Gestor e um projeto de lei
ordinário elaborado pelos Estados que trata do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Regional (FNDR).
Uma forma de garantir a harmonia entre os
textos é escolher, para relatar os projetos, deputados que estejam “pactuados
entre si”, sugeriu Jardim. As frentes parlamentares têm feito chegar ao
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o desejo que o deputado Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB) fique responsável por garantir essa compatibilização.
No entanto, Lira tem indicado que poderá
escolher outro deputado para a tarefa. Alternativamente, fala-se na
possibilidade de Aguinaldo atuar como uma espécie de consultor dos novos
relatores.
A proposta de regulamentação da reforma
tributária chega ao Congresso no fim de abril de um ano eleitoral. O prazo
curto para análise das propostas é também ponto de preocupação dos deputados e
senadores.
Outro tema que promete polêmica é a cesta
básica. Há grupos no Congresso, como a Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA), que são contrários à criação de um cashback na aquisição de alimentos
para as famílias de menor renda. O governo pensa diferente.
Presentes ao almoço da FPE, representantes do
setor privado expressaram ainda o receio que o Imposto Seletivo, do qual se
sabe quase nada, seja utilizado para fins arrecadatórios. Appy negou que isso
vá ocorrer.
A insegurança em relação à manutenção da
carga tributária e a não cumulatividade tem um contraponto importante: a emenda
constitucional. Aguinaldo Ribeiro tem lembrado a seus pares que a legislação
complementar não pode inovar em relação ao que está na Constituição.
“Vamos ter embates”, disse Ribeiro na semana
passada. “Estamos numa Casa sujeita a pressões.” No entanto, ressaltou, existe
um propósito comum de se chegar a uma estrutura tributária que seja benéfica ao
país: permita melhorar a competitividade, o ambiente de negócios, aumentar a
geração de emprego e de receitas.
Eis aí algo que deve ser mantido em mente
durante os debates, que estão só começando.
Tomara!
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