quarta-feira, 24 de abril de 2024

Fernando Exman - O delicado jogo para aprovar a reforma

Valor Econômico

Governo teria retardado o envio da regulamentação para reduzir margem de manobra dos lobbies

A tentativa do governo de dar um novo gás às articulações com o Congresso ocorre no momento em que, pressionados pelo calendário eleitoral, os parlamentares precisarão intensificar os trabalhos até o recesso de julho. O saldo dessa equação terá impacto direto na percepção de risco do mercado em relação ao Brasil.

Na política, costuma-se dizer em Brasília, não existem coincidências. Cada gesto é pensado, cada movimento é calculado: para influentes fontes do Parlamento, o governo tardou a enviar a regulamentação da reforma tributária de forma proposital, justamente para reduzir a margem de manobra de lobbies e evitar maiores mudanças no texto que será protocolado nesta quarta-feira (24).

Em paralelo, o governo visa aprovar as propostas da equipe econômica que patinam desde o início do ano no Congresso e evitar o avanço das chamadas “pautas-bomba”, aquelas com alto potencial de prejudicar as contas públicas. A expectativa é que no período também ocorra uma enxurrada na liberação de emendas parlamentares ao Orçamento, instrumento dos congressistas para fazer política em seus redutos eleitorais.

Percebendo a estratégia do governo, setores da Câmara se anteciparam e iniciaram há meses o debate com setores produtivos que se sentiram excluídos das discussões conduzidas pelo Ministério da Fazenda com Estados e municípios. Faz parte do jogo. Mas o que todos os lados envolvidos não podem perder de vista é que a conclusão da reforma tributária é, sim, fundamental para o país. E o mais rápido possível.

Nesse contexto, vale lembrar do dia 19 de dezembro de 2023, véspera da promulgação da emenda constitucional da reforma tributária.

Já estava evidente para todos que o processo de regulamentação que se seguiria à promulgação seria trabalhoso e poderia consumir grande parte de 2024. Ainda assim, a simples aprovação da PEC já começava a produzir efeitos positivos para a economia: naquela terça-feira à tarde, a poucos dias do recesso de fim de ano, a agência de classificação de risco S&P elevava a nota do Brasil em um degrau, para “BB”, com perspectiva estável.

Em seu informe, a S&P citava de forma objetiva a importância da aprovação da reforma tributária para justificar a sua decisão. E a despeito de sua implementação gradual, destacava como ponto positivo a capacidade da reforma de promover ganhos de produtividade a longo prazo e ampliar um “histórico de pragmatismo político”.

Em entrevista a jornalistas naquele mesmo dia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou. Disse que as agências de rating estavam percebendo “que o país tem um projeto” e uma harmonia entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. “Há uma coordenação em torno de um objetivo maior, e a reforma tributária foi o ponto alto” dessa trajetória, pontuou. Em outro momento da entrevista, reiterou que a busca pelo equilíbrio fiscal depende também do Congresso - um alerta que permanece atual.

Mas já naquele momento a visão predominante era que o Brasil iria levar mais alguns anos para reconquistar o grau de investimento, espécie de “selo de bom pagador” que chegou a ter entre 2008 e 2015.

Em seu informe, em contraponto à aprovação da reforma tributária, a S&P lembrou os déficits fiscais consistentes nos últimos anos. “O componente ausente tem sido a falta de progresso para lidar com os gastos grandes, rígidos e ineficientes do governo”, disse, enfatizando também que a administração federal vinha enviando “sinais divergentes” em relação ao compromisso com o novo arcabouço fiscal.

Em meio a crescentes provas do apetite intervencionista do Palácio do Planalto e mais uma crise na relação com o Legislativo, tais sinais divergentes em relação à política fiscal permanecem.

Em café da manhã com jornalistas nessa terça-feira (23), um dia antes de enviar ao Congresso o principal projeto de regulamentação da reforma tributária, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva relativizou as recentes turbulências nas relações com o Congresso. Reiterou o discurso segundo o qual ele, chefe do Poder Executivo, é quem depende dos presidentes das duas Casas do Legislativo para conseguir transformar 2024 em um ano de colheita. Não o contrário. E falou sobre os movimentos de aproximação em direção à cúpula do Congresso.

Ao mesmo tempo em que o governo conseguia na Câmara um acordo para limitar benefícios fiscais ao setor de eventos, Lula reforçava aos jornalistas sua disposição de manter os gastos públicos em expansão. Mais sinais divergentes, em um momento de deterioração do cenário internacional na comparação com o observado no fim do ano passado.

Dias depois da promulgação da PEC da reforma tributária, e da elevação da nota de crédito do Brasil pelas agências internacionais de rating, o risco Brasil encerraria 2023 com uma expressiva baixa. Segundo o Valor Data, o índice EMBI+ Brasil encerrou o ano passado aos 195,0 pontos, uma queda de 23,83% ante 2022. O CDS Brasil, outro indicador do risco país, bateria os 132,2 pontos, queda de 48,02%.

O EMBI+ Brasil encerrou o dia 22 de abril aos 215,0 pontos, alta acumulada de 10,26% neste ano. Já o CDS subiu 19,38% no mesmo período, para 157,8 pontos. O cenário atual exige responsabilidade.

 

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