Correio Braziliense
Enquanto a Lava-Jato é descontruída pelo STF,
Moro vaga como um zumbi pelos corredores do Senado, onde não consegue se
articular nem com o baixo clero
Segundo a filósofa Hannah Arendt, em A
Condição Humana, o herói não é necessariamente o homem de grandes feitos,
equivalente a um semideus. Trata-se de um indivíduo comum que se insere e se
destaca no mundo por meio do discurso e da ação. Os arquétipos do herói
remontam à Antiguidade na Grécia.
O mito do herói homérico da Ilíada
sustenta-se em dois pilares: a grandiosidade e a singularidade, além da
aspiração à imortalidade. O ex-juiz federal Sergio Moro (União Brasil-PR), que
liderou a Operação Lava-Jato, corre o risco de perder o mandato de senador
eleito pelo Paraná na Justiça eleitoral de seu estado — e passar de herói a
vilão.
A imortalidade só vem com a morte. O mito do herói precisa ter uma existência humana verdadeira. Isso pressupõe também a volta para casa, a vida normal, até que a situação exija outro ato glorioso e individual, de grande bravura. O herói faz coisas sobre-humanas, mas não é imortal.
O ex-juiz federal e senador, quando à frente
da Lava-Jato, na 13ª Vara Federal em Curitiba, construiu uma imagem de paladino
da ética e do combate à corrupção ao liderar um grande expurgo na política
nacional, cujo ápice foi a condenação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Agora, responde à acusação de abuso de poder
econômico para se eleger senador e a Lava-Jato virou um exemplo tóxico para a
Justiça brasileira. Eleito presidente da República, Lula é o herói noir, o
sujeito cheio de defeitos que faz o que outros não fariam.
Na Lava-Jato, foram realizados mais de 300
inquéritos envolvendo políticos, agentes públicos, doleiros e empresários,
sendo o mais famoso o da Petrobras, uma espécie de nave-mãe com destino ao
Inferno de Dante.
Em quase sete anos, teve 79 fases, milhares
de mandados de busca e apreensão no país e no exterior, 130 denúncias, 278
condenações, mais de R$ 4 bilhões devolvidos aos cofres públicos e R$ 2,1
bilhões em multas, segundo o Ministério Público Federal (MPF).
Tudo começou com uma investigação sobre a
rede de doleiros, em diversos estados, que acabou desaguando num vasto esquema
de corrupção que causou um prejuízo bilionário para a Petrobras.
A estatal estimou as perdas em R$ 6,2
bilhões. Já o Tribunal de Contas da União (TCU) fala em um prejuízo de R$ 29
bilhões desde 2002. De acordo com o MPF, até julho de 2019 foram devolvidos à
Petrobras, no âmbito da operação, cerca de R$ 3 bilhões.
A Lava-Jato liquidou a estrutura da indústria
de construção pesada e abalou o sistema político brasileiro. Colocou no banco
dos réus dirigentes partidários, parlamentares, ex-ministros e executivos das
maiores empreiteiras do país, além de levar à prisão dois ex-presidentes da
República: Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado no caso do triplex do
Guarujá, que veio à tona em uma das operações; e Michel Temer, que foi detido
provisoriamente em apurações sobre desvios no setor elétrico.
Baixo clero
A condenação de Lula foi anulada pelo Supremo
por um vicio de origem: Moro não era o “juiz natural” — forçou a barra para
investigar e incluir o caso do triplex no inquérito da Petrobras. Temer passou
por grande constrangimento, mas sequer foi considerado réu.
A Lava-Jato adotou um mecanismo instituído em
2013: a delação premiada, benefício concedido a um acusado que aceite colaborar
com as apurações. Com base nela, os procuradores da força-tarefa de Curitiba,
tendo à frente o procurador da República Deltan Dallagnol, e Moro viraram a
política nacional de cabeça para baixo.
O resultado foi o tsunami eleitoral de 2018,
com eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, enquanto Lula foi parar na cadeia.
Entretanto, a população de baixa renda do país se manteve fiel à sua liderança.
Bolsonaro, com seu reacionarismo e
negacionismo, fez um governo medíocre. Com isso, ao recuperar a liberdade, Lula
passou a ser a única alternativa competitiva para derrotá-lo.
Moro cometeu o maior erro político que
poderia. Abandonou a magistratura para ser ministro da Justiça de Bolsonaro.
Quando se deu conta de que o cargo seria uma fria, pediu demissão e saiu
atirando. Queimou o filme com os apoiadores e aliados do ex-presidente e virou
um “ronin” na política, um samurai sem eira nem beira.
Foi salvo pela fama, ao se eleger senador no
Paraná, graças ao prestígio pessoal adquirido com a Lava-Jato e ao apoio
financeiro do União Brasil. Enquanto a Lava-Jato é desconstruída pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), Moro vaga como um zumbi pelos corredores do Senado,
onde tem uma atuação apagada e não consegue se articular nem com o baixo clero.
Moro é acusado pelo Ministério Público de
abuso de poder econômico. Outra ação diz que há indícios de que ele utilizou
recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Campanha, além de outras
movimentações financeiras suspeitas, para construção e projeção da própria
imagem.
Ontem, no Tribunal Regional Eleitoral do
Paraná (TRE-PR), o relator do caso, desembargador Luciano Carrasco Falavinha
Souza, votou contra a cassação. O julgamento será retomado amanhã.
Tudo que sobe,desce.
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