CartaCapital
A instantaneidade que impera em nossos tempos
apagou rapidamente na mídia e nas redes o episódio que envolveu o bilionário
Elon Musk e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Devo acentuar a palavra
instantaneidade. Ela significa os modos linguísticos que se apresentam na
sociabilidade […]
A instantaneidade que impera em nossos tempos
apagou rapidamente na mídia e nas redes o episódio que envolveu o
bilionário Elon Musk e
o ministro do STF Alexandre de
Moraes.
Devo acentuar a palavra instantaneidade. Ela
significa os modos linguísticos que se apresentam na sociabilidade das redes
sociais construídas no interior das plataformas. Assim funcionam as
comunicações e as opiniões que circulam no Facebook, Instagram, WhatsApp, X
(outrora Twitter).
Musk e seus sicários bolsonaristas invocaram
a liberdade de expressão para atacar o STF na
pessoa do ministro Alexandre de Moraes. A propósito dessa reivindicação
libertária muskiana e bolsonarista, vou cometer a ousadia de perpetrar algumas
considerações inspiradas em autores que trataram do mundo das plataformas.
Franco “Bifo” Berardi esclarece as diferenças estruturais entre as funções institucionais de Moraes e o modo de operação das plataformas na defesa da liberdade de expressão.
Berardi estabelece uma distinção entre as
formas tecnológicas dominantes no antigo “sistema de máquinas” e aquelas
impulsionadas pelos avanços da Inteligência Artificial, da internet das coisas,
da nanotecnologia e da robótica.
“Passamos de um regime disciplinar a um
regime de controle. No primeiro caso, a máquina constituiu-se diante do corpo e
da mente humana, era externa em relação ao corpo que permanecia corpo
pré-técnico. Por isso, o corpo-mente devia ser regulado normativa, legal e
institucionalmente, para, em seguida, ser submetido ao ritmo das máquinas
concatenadas.
“No segundo caso, o que se nos apresenta
hoje, a máquina não está mais diante, e sim dentro do corpo, dentro da mente, e
os corpos não podem se relacionar nem a mente se expressar sem o suporte
técnico da máquina biopolítica. Por isso, não é mais necessário o trabalho de
disciplinamento político, legislativo, jurídico. O controle dá-se inteiramente
a partir da própria máquina interna.
“Não somente a máquina, mas sua concepção
também sofre uma mutação nessa passagem. Na época digital, a máquina é
diferença de informação, não exterioridade, mas sim modelação linguística,
automatismo lógico e cognitivo.”
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Stuart
Russell, professor de Ciência da Computação da Universidade da Califórnia-Berkeley
afirmou:
“Estamos construindo sistemas cada vez mais
poderosos que não entendemos e não controlamos. Temos de resolver o problema do
controle. Os governos deveriam exigir que as empresas garantam que seus
sistemas se comportem adequadamente”.
Evgeny Morozov, no livro Big Tech, citou o
debate entre Gilles Deleuze e Antonio Negri nos anos 90 do século passado,
quando as formas tecnológicas, hoje dominantes, já mostravam suas forças.
“Como disse Gilles Deleuze em conversa com
Antonio Negri em 1990, ‘em face das formas próximas de um controle incessante
em meio aberto, é possível que os confinamentos mais duros pareçam pertencer a
um passado delicioso e benevolente’. Essa conexão entre a aparente abertura da
nossa infraestrutura tecnológica e o grau cada vez maior de controle continua a
ser pouco compreendida.”
Nesse processo de autotransformação, é
importante compreender que a materialidade do sistema de máquinas entrega sua
alma ao comando do “General Intellect”. Assim, um certo Karl Marx, ainda no
século XIX, observou: “… O desenvolvimento do capital fixo (sistema de
máquinas) indica o grau em que o conhecimento social se tornou uma força direta
de produção e em que medida, portanto, o processo da vida social foi colocado
sob o controle do General Intellect e passou a ser transformado de acordo com
ele”.
Em seu desenvolvimento, a Indústria 4.0
exprime o avanço do sistema de máquinas promovido pelo General Intellect. A
nova fase da digitalização é conduzida pelo aumento do volume de dados,
ampliação do poder computacional e conectividade, a emergência de capacidades
analíticas aplicada aos negócios, novas formas de interação entre homem e
máquina, e na transferência de instruções digitais para o mundo físico.
As redes sociais devem ser observadas no
âmbito dessas transformações tecnológicas. Prometidas como o espaço do
movimento livre das ideias e das opiniões, se transformaram num calabouço
policialesco em que o debate livre de ideias é substituído pela vigilância e
pelo cancelamento. A vigilância exige convicções esféricas, maciças,
impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da
turba enfurecida, disposta ao linchamento.
*Publicado na edição n° 1307 de CartaCapital,
em 24 de abril de 2024.
Carácoles!
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