O Globo
Na noite de domingo, Lula recebeu Arthur Lira para
uma conversa a sós no Palácio da Alvorada. O objetivo era aparar arestas. Os
dois estavam desgastados por uma semana que terminou com Lira fazendo uma lista
de pedidos de CPIs pendentes e o presidente da República mobilizando aliados
no Senado
Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF)
para mostrar ao chefe da Câmara
dos Deputados que ele já não tinha o mesmo poder de antes.
Pesava no ar um clima de incerteza sobre as
pautas do governo no Congresso, especialmente os vetos do presidente da
República que deveriam ter sido analisados nesta quarta-feira e da bomba
fiscal, a série de projetos que aumentam gastos e podem levar ao estouro do
Orçamento em 2024.
O que Lula e Lira combinaram no papo ao pé do
ouvido nenhum deles revelou. Lira tentou até negar o encontro, como se
ignorasse que, em Brasília,
palácios não guardam segredos.
Lula, ao ser questionado, disse que não tinha obrigação de contar o que foi dito. O resultado, porém, foi inequívoco. Ambos baixaram as armas, o que só costuma acontecer quando os dois lados entendem que não têm nada a ganhar com um conflito.
Nos dias seguintes, Lira puxou o freio e
enterrou o assunto das CPIs. Lula disse num café com jornalistas que “todas as
coisas vão ser aprovadas e todas as coisas vão ser acordadas”. Também admitiu
que sua base é minoria no Congresso.
“Não é o presidente do Senado que precisa de
mim. Não é o presidente da Câmara que precisa de mim. Quem precisa deles é o
presidente da República, é o Poder Executivo.”
Depois dos gestos políticos, veio o efeito
concreto: foi adiada a sessão do Congresso que analisaria vetos de Lula, das
restrições às saidinhas dos presos ao valor de emendas parlamentares a ser
distribuídas neste ano. Como o governo certamente sairia derrotado, costurou-se
um acordo para suspender a votação até que “todas as coisas” fossem acertadas.
O armistício deu ao governo certo alívio, mas
não garante que seus projetos andarão mais rápido nem que contarão com mais boa
vontade na Câmara. A coreografia política de Lira e Lula demonstra que nenhum
deles tem condições de impor sua vontade. Mas também sugere que, a esta altura,
nenhum tem por que baixar a cabeça ao outro.
Tudo indica que a relação continuará por um
bom tempo aos trancos e barrancos, alternando ameaças, crises, afagos e novos
armistícios, já que a eleição que pode desequilibrar o jogo — para o próximo
presidente da Câmara — só acontece em fevereiro de 2025.
Depois do final de seu mandato na
presidência, Lira se torna um deputado como outro qualquer, o que não ajuda o
plano de disputar com chance de vitória uma das duas vagas ao Senado por Alagoas em 2026.
Considerando que o estado é comandado pelo
grupo de seu arquirrival Renan
Calheiros, que também disputará uma dessas vagas, com a vantagem de ter o
filho no Ministério dos Transportes e uma aliança antiga com Lula, o que resta
a Lira é prolongar ao máximo o próprio poder para tentar fazer um sucessor e
chegar a 2026 com algum fôlego.
Pelas conversas que Lira vem mantendo com
aliados bem próximos, a estratégia é continuar se fazendo útil para que o
Planalto precise dele, mas sempre deixando algo pendente, para não se tornar
dispensável. O governo quer derrubar os quinquênios dos juízes? Podem contar
com ele, na Câmara não passa. Mas precisa conter os benefícios fiscais para o
setor de eventos, segurar a liberação de emendas? Hum, ele sente muito, mas não
tem como conter os deputados.
Lula não tem alternativa a não ser ir se
livrando de Lira aos poucos, patrocinando novos focos de poder enquanto cuida
de não criar crises insolúveis. Num dos discursos que fez nesta semana, cobrou
dos ministros que se aproximem do Congresso:
“Alckmin tem que ser mais ágil. Tem que
conversar mais. O Haddad, em vez de ler um livro, tem que perder algumas horas
conversando no Senado e na Câmara. O Wellington [Dias, do Desenvolvimento
Social] e o Rui Costa [Casa
Civil] têm que passar a maior parte do tempo conversando com a bancada A,
com a bancada B”.
Faltou falar que, nesse jogo, ninguém tem
mais habilidade e capacidade de convencimento que ele próprio. Lula já deu
várias mostras de que não é mais o mesmo dos governos anteriores. Está com
menos tempo, paciência e vontade de fazer política.
Mas a realidade, teimosa, também já provou
que, se ele não se envolver, a coisa não anda. É preciso dois para dançar um
tango. E Lula não tem, neste momento, como pedir que dancem por ele.
Verdade.
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