quinta-feira, 18 de abril de 2024

Malu Gaspar - Os drones de Lira contra Lula

O Globo

A notícia dos ataques que Arthur Lira (PP-AL) fez a Alexandre Padilha (Relações Institucionais) começou a circular nos celulares dos deputados na quinta-feira passada, no momento em que líderes do governo no Congresso se reuniam para discutir a votação das emendas orçamentárias prevista para esta semana.

Lira chamou Padilha de “desafeto pessoal” e incompetente, depois de vários veículos de imprensa publicarem que ele atuou nos bastidores para que os deputados votassem pela soltura de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco (PSOL).

A reação dos lulistas foi de ironia. “O café dele já esfriou mesmo, hein?”, disse um deles, já emendando: “Quem fez fama atropelando o governo vai se assustar ao ser atropelado”. O presidente da Câmara dos Deputados provavelmente não soube da piada governista, mas certamente percebeu que muita gente em Brasília interpretou um ataque tão frontal como sinal de desespero e fraqueza política.

Lira, claro, não gostou de aparecer na mídia trabalhando por Brazão. Mas o que ele detestou mesmo foi a sugestão de que teria feito isso para manter o cacife com bolsonaristas e deputados do Centrão para ter o poder de fazer o sucessor no início de 2025. Tal versão complicou sua vida. Se não se empenhou por Brazão, Lira vacilou com um público que costuma lhe ser fiel. Se empenhou-se, saiu derrotado.

As jogadas recentes — sugerir que liberará o andamento de projetos e pautas da oposição e autorizará a criação de CPIs para atrapalhar governo e Supremo — não passam de uma ofensiva para mostrar que não está morto ou fora de combate. E não está mesmo.

A simples ameaça de abrir fogo contra o Planalto obrigou a tropa governista a recuar e pedir ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para adiar a votação sobre o veto de Lula a R$ 5,6 bilhões, dos R$ 16,6 bi previstos para emendas parlamentares de comissão no Orçamento deste ano.

Se é verdade que o presidente da Câmara ainda pode provocar bastante estrago, também é fato que Lula já não é mais o mesmo do início do governo, quando não teve alternativa a não ser engolir a reeleição de Lira sem sequer cogitar lançar candidato.

No último ano, o presidente da República fez alianças estratégicas no Senado, com Rodrigo Pacheco e Davi Alcolumbre (União-AP), e no Supremo Tribunal Federal, cujos ministros vivem num embate com o Parlamento.

Diante dos últimos ataques, fez como Israel, que acionou americanos e ingleses para ajudar a abater os drones iranianos antes de lançarem suas bombas.

Um dia depois de Pacheco adiar a votação das emendas, o ministro Alexandre de Moraes baixou de surpresa no Congresso e se reuniu com o próprio Lira a portas fechadas. Não se imagina que o assunto tenha sido outro que não a iniciativa de recomeçar do zero o desenho da regulamentação das plataformas digitais. Ou então a ideia de abrir uma CPI para apurar abuso de autoridade por parte do tribunal. Circulou nos bastidores que foi uma conversa dura.

Não foi coincidência que, pouco depois, falando com o ministro da Casa CivilRui Costa, Lira tenha dito que nunca cogitou uma vingança, imagina, muito pelo contrário. Mas tinha de atacar Padilha e o Supremo para atender a uma demanda de sua base. Brazão, aliás, já é o segundo parlamentar preso pelo STF sob sua gestão. E o fato de Lira não ter conseguido conter nenhuma das duas prisões não pega bem para a direita mais radical que sempre o apoiou.

Embora não admita em público, nos bastidores o presidente da Câmara não esconde o incômodo com a antecipação da disputa por sua sucessão, aberta desde o início do mandato pelos próprios aliados. Em julho passado, apenas cinco meses depois de ter sido reeleito, Lira disse, no Roda Viva: “A sucessão não está aberta. Eu já disse que quem botar a unha de fora, esquece, vai arrumar um problema comigo”.

De lá para cá, a coisa só ficou mais escancarada. Aliados como Elmar Nascimento (União-BA) e Marcos Pereira (Republicanos-SP) viajam pelo Brasil para almoços, jantares e eventos de campanha, à vista de todos e sob olhares divertidos dos governistas. Conter esse avanço para manter o café quente custará cada vez mais caro a Lira — e, conforme o estrago que ele for capaz de provocar, poderá sair caro também para o governo Lula.

 

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