O Globo
Houve uma piora na percepção da economia após
a mudança da meta, como se o governo tivesse “jogada a toalha“ na área fiscal
Ontem foi o reverso de terça-feira. O real foi a moeda que mais subiu, e os juros futuros de longo prazo caíram tudo o que haviam subido. Mas isso não muda os sinais de que houve uma piora da percepção da economia. Os novos números de resultado primário anunciados pelo ministro Fernando Haddad eram até melhores do que os que o mercado projetava. O problema é ter ficado a impressão de que o governo e o Congresso vão desistir das metas fiscais. Como houve exagero na terça, o dia amanheceu ontem com o mercado sabendo que haveria uma reversão. Mas continua havendo uma onda de fortalecimento mundial do dólar, o que pode bater na inflação e nos indicadores internos. Nada é alarmante, não é crise, mas é um cenário que exige mais cuidados. É o que dizem os economistas que consultei dentro e fora do governo.
— O que assusta nas mudanças das metas
fiscais não são os números em si, mas a sensação de que o Congresso Nacional
está “jogando a toalha” no desafio do ajuste fiscal. Vale destacar que os
números do mercado para o déficit primário neste e nos próximos anos sempre
foram piores do que as metas fiscais anteriores e piores que as novas metas —
explica Mansueto Almeida, do BTG.
O economista Fernando Honorato do Bradesco,
com quem falei logo cedo, me disse que o mercado havia exagerado na alta do
dólar e nas taxas de juros futuras na véspera. O que se comprovou ao longo do
dia.
— As mudanças nas metas eram amplamente
esperadas e acho difícil o câmbio ficar onde está. A inflação vai piorar com a
alta do dólar, mas não justifica os 7,5% de juros reais precificados ontem
(terça-feira). As coisas podem voltar à normalidade, mas dependemos do Fed. A
mudança de fundo é global, ajudada sim por um ambiente interno em que se
enxergam juros reais mais altos sem amparo de uma política fiscal rígida — diz
Honorato.
Dentro do governo ouvi que parte do mercado
está somando tudo, a preocupação com a queda da popularidade, mais a crise
na Petrobras,
mais medidas populistas na energia, e mudança da meta. Tudo isso passando a
impressão de que há uma guinada na área econômica, o que, segundo minha fonte,
não é o correto. O ambiente está mais hostil e menos tolerante. Qualquer ruído
gera resultado. O presidente
do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que fará “o que for
necessário”para segurar a inflação. Bastou isso para os juros
de curto prazo subirem ontem.
A declaração do
presidente do Fed, Jerome Powell, anteontem, confirmando que os juros
americanos vão demorar mais a cair, produziu uma alta do dólar no mundo inteiro.
Naquele dia, excetuando-se o euro, todas as outras moedas perderam valor,
principalmente as dos países emergentes. O real foi a terceira moeda que mais
caiu, melhor apenas que as da Indonésia e do México. Mas no ano a queda das
moedas foi geral, com alguns países caindo mais como Japão, Chile e Turquia.
Parte das quedas tem razões internas. No Brasil tem menos dólar no mercado e
aumentaram as preocupações com as contas públicas.
As projeções de bancos e consultorias eram as
de que o Brasil teria déficit público este ano e no próximo. No cenário do
Tesouro, mesmo se fosse aprovada aquela MP, que reonerava setores empresariais,
prefeituras e eliminava o Perse, o país teria que fazer contingenciamento no
ano que vem e no próximo e ainda teria déficit, explica Mansueto, ex-secretário
do Tesouro:
— Assim, as metas “novas” de primário zero no
próximo ano e de 0,25% do PIB em 2026 são melhores do que o mercado esperava.
Mansueto afirma ainda que havia uma
impressão, antes, de que o governo faria tudo para atingir a meta antiga, mesmo
que não o conseguisse, e agora essa crença sumiu.
—O governo abre mão de R$ 12 bi de dividendos
da Petrobras que iriam para os cofres do Tesouro. Há apoio político para
renegociação da dívida dos estados que não cumpriram outros acordos. A Câmara
dos Deputados, com o apoio de algumas pessoas do governo, antecipa a expansão
de R$ 15,7 bilhões de despesa que só poderiam abrir em maio. Tudo isso manda a
mensagem de que “Brasília” não está demonstrando compromisso com o ajuste
fiscal. A mudança da meta em seguida permitiu que o mercado desenvolvesse a
narrativa de que “Brasília”, governo e classe política jogaram a toalha.
O mercado tem oscilado mais por razões
globais. O problema é que as razões internas também estão pesando. E é a isso
que o governo precisa ficar atento, antes de aprovar a próxima medida de
expansão de gastos.
Verdade.
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