quinta-feira, 4 de abril de 2024

Maria Hermínia Tavares - Putin será um visitante inconveniente

Folha de S. Paulo

Autocrata pode ser preso em qualquer dos 124 países signatários do Estatuto de Roma

O governo brasileiro parece buscar uma gambiarra jurídica que permita a entrada no país do chefe do governo russo, Vladimir Putin, para participar da cúpula do G20 no final do ano, em plena igualdade de condições com os seus 19 homólogos.

Condenado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) por crimes de guerra na Ucrânia, o autocrata do Kremlin pode ser preso em qualquer dos 124 países signatários do Estatuto de Roma, que deu origem àquela corte.

O Brasil, que bem fez ao incluir explicitamente a defesa dos direitos humanos entre os princípios de política externa arrolados na Constituição, assinou aquele texto civilizatório; logo, ao menos em tese, está obrigado a cumprir as decisões do TPI.

O compromisso com o acatamento daqueles direitos veio se somar a princípios mais antigos, a exemplo da adesão ao multilateralismo como valor e a participação ativa em organismos internacionais nele inspirados; a aposta na solução pacífica dos conflitos internacionais; o universalismo nas relações diplomáticas; e a não- ingerência em assuntos internos de outras nações. Em conjunto, norteiam a sua política externa.

Respeitáveis em si, tais princípios nem sempre caminham em harmonia, ao contrário do que imaginam aqueles que acreditam que todas as coisas boas andam juntas. A defesa dos direitos humanos, desrespeitados em determinado país, pode se chocar com interesses econômicos ou geopolíticos que recomendam a Brasília fechar os olhos a transgressões praticadas por parceiros. O cumprimento de normas internacionais definidas em âmbito multilateral pode demandar gestos incompatíveis com a disposição de manter boas relações com todos os países.

Não há fórmulas prontas para resolver conflitos dessa natureza. Cabe às autoridades de turno decidir quais princípios ficarão de molho, em face do que imaginem ser o melhor para o país.

Esse é o dilema do governo Lula. Sabe-se perfeitamente bem quem é Putin: um czar sem coroa que manda assassinar opositores, controla os meios de comunicação, conduz uma guerra de conquista na Ucrânia, tendo sido condenado pelo TPI por crimes contra a humanidade ali cometidos. Também resta claro como o dia que a Rússia de Putin joga água no moinho dos populismos de direita em ascensão nos quatro cantos do planeta.

Difícil imaginar que a fidelidade aos princípios da não- ingerência, os interesses econômicos que aproximam o Brasil da Rússia ou a vontade de desfilar autonomia perante as potências do Ocidente democrático consigam contrabalançar os prejuízos – internos e externos – de receber visitante tão inconveniente.

 

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