Folha de S. Paulo
Autocrata pode ser preso em qualquer dos 124
países signatários do Estatuto de Roma
O governo brasileiro parece buscar uma
gambiarra jurídica que permita a entrada no país do chefe do governo
russo, Vladimir
Putin, para participar da cúpula do G20 no
final do ano, em plena igualdade de condições com os seus 19 homólogos.
Condenado pelo TPI (Tribunal Penal
Internacional) por crimes de guerra na Ucrânia,
o autocrata do Kremlin pode ser preso em qualquer dos 124 países signatários do
Estatuto de Roma, que deu origem àquela corte.
O Brasil, que bem fez ao incluir explicitamente a defesa dos direitos humanos entre os princípios de política externa arrolados na Constituição, assinou aquele texto civilizatório; logo, ao menos em tese, está obrigado a cumprir as decisões do TPI.
O compromisso com o acatamento daqueles
direitos veio se somar a princípios mais antigos, a exemplo da adesão ao
multilateralismo como valor e a participação ativa em organismos internacionais
nele inspirados; a aposta na solução pacífica dos conflitos internacionais; o
universalismo nas relações diplomáticas; e a não- ingerência em assuntos
internos de outras nações. Em conjunto, norteiam a sua política externa.
Respeitáveis em si, tais princípios nem
sempre caminham em harmonia, ao contrário do que imaginam aqueles que acreditam
que todas as coisas boas andam juntas. A defesa dos direitos humanos,
desrespeitados em determinado país, pode se chocar com interesses econômicos ou
geopolíticos que recomendam a Brasília fechar os olhos a transgressões
praticadas por parceiros. O cumprimento de normas internacionais definidas em
âmbito multilateral pode demandar gestos incompatíveis com a disposição de
manter boas relações com todos os países.
Não há fórmulas prontas para resolver
conflitos dessa natureza. Cabe às autoridades de turno decidir quais princípios
ficarão de molho, em face do que imaginem ser o melhor para o país.
Esse é o dilema do governo Lula. Sabe-se
perfeitamente bem quem é Putin: um czar sem coroa que manda assassinar
opositores, controla os meios de comunicação, conduz uma guerra de conquista na
Ucrânia, tendo sido condenado pelo TPI por crimes contra a humanidade ali
cometidos. Também resta claro como o dia que a Rússia de
Putin joga água no moinho dos populismos de direita em ascensão nos quatro
cantos do planeta.
Difícil imaginar que a fidelidade aos
princípios da não- ingerência, os interesses econômicos que aproximam o Brasil
da Rússia ou a vontade de desfilar autonomia perante as potências do Ocidente
democrático consigam contrabalançar os prejuízos – internos e externos – de
receber visitante tão inconveniente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário